EM PIRACICABA (SP) 21 DE SETEMBRO DE 2020

Conselheiros elogiam leis para PCDs, mas criticam demora na aplicação

Presidentes dos conselhos nacional e estadual da pessoa com deficiência e coordenador do Comdef participaram do "Parlamento Aberto Entrevista" desta segunda-feira.




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Fábio Alvarez, jornalista da TV Câmara




Sem deixar de ter como foco propor a criação de leis para a garantia de direitos e a igualdade de condições, outros dois desafios se somam hoje à luta da pessoa com deficiência no Brasil: impedir o retrocesso nas conquistas já consolidadas e tirar do papel o muito que ainda carece de regulamentação no país, cuja legislação na área é tida como uma das mais avançadas do mundo.

O assunto foi abordado no "Parlamento Aberto Entrevista" desta segunda-feira (21), que reuniu Marco Castilho e Francisco Nuncio Cerignoni, presidentes respectivamente do Conade (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência) e do Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa com Deficiência de São Paulo, e Wander Viana Santos, coordenador do Comdef (Conselho Municipal de Proteção, Direitos e Desenvolvimento da Pessoa com Deficiência de Piracicaba).

O programa, exibido ao vivo pela TV Câmara, com tradução em Libras e participação do público pelas redes sociais, faz parte da série de atividades do "Setembro Verde e Azul", instituído pelo decreto legislativo 19/2020 e realizado pela Câmara em parceria com o Comdef e o Grupo Libras Piracicaba e Região. No último dia 2, a atração já havia discutido o impacto da pandemia da Covid-19 na vida de indivíduos com deficiência, altas habilidades, superdotação ou transtornos do desenvolvimento.

Sob o comando dos jornalistas Erich Vallim Vicente, do Departamento de Comunicação, e Fábio Alvarez, da TV Câmara, a edição desta segunda-feira marcou o Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência. Participando remotamente, via vídeo, as principais lideranças dos conselhos nacional, estadual e municipal para a discussão de políticas públicas no setor defenderam a necessidade de levar à prática itens que, abrangidos pela LBI (Lei Brasileira de Inclusão), de 2015, ainda permanecem restritos à teoria.

"A LBI transferiu para a lei federal o que está preconizado na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que é um tratado da ONU [Organização das Nações Unidas] do qual é signatário o Brasil, único país a dar a ela o mesmo status de Constituição Federal. Temos o suprassumo da legislação, porém com um velho problema: o papel aceita o que se escreve, mas há uma distância gigantesca quando se vai para a ponta, materializar em ações concretas para a população", resumiu Marco.

O presidente do Conade apontou a necessidade de a LBI ser "regulamentada em sua totalidade" e acrescentou que, atualmente, a prioridade é o artigo 2º, que estabelece que "a avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar", devendo o Executivo federal criar os instrumentos para garantir essa análise.

"Neste momento, nossa maior luta é a regulamentação da avaliação biopsicossocial da deficiência, uma conquista que está assegurada na LBI. O próprio Conselho Nacional já aprovou o instrumento dessa avaliação, em março, e cabe ao governo brasileiro cumprir o que está na Convenção [da ONU] e na LBI", contextualizou Marco, para quem o descumprimento na execução de políticas públicas pelos governos federal e estadual reflete localmente, nos municípios.

Wander manifestou opinião semelhante à do presidente do Conade. "Vejo que a legislação brasileira da pessoa com deficiência é muito boa. A LBI consolidou várias leis e trouxe um avanço significativo, porém sou um pouco crítico, pois, como somos fiscalizadores, muitas coisas infelizmente só estão no papel, tanto porque não têm a aplicabilidade que deveriam ter, quanto por falta de regulamentação, que às vezes demora anos para sair, tornando a lei ineficaz."

A atuação do Comdef em Piracicaba, explicou Wander, busca alinhar-se aos conselhos estadual e federal. "Acompanhamos muito as notas de repúdio, procuramos sempre compartilhar, assinar e unir forças contra as leis que não estão sendo cumpridas, e muitas vezes sendo até desconsideradas", disse, defendendo que "as vozes sejam mais fortes" ante o risco de "retrocesso" ao que já foi conquistado. "O movimento tem conseguido atuar fortemente em cima de alguns desmandos."

O assédio de setores contra direitos consolidados também preocupa Francisco. "Estamos vivendo um momento de ataque a essas leis que garantem o direito da pessoa com deficiência. A cada momento temos que sair defender a LBI, a Lei de Cotas, a avaliação biopsicossocial. Até o desconto de IPI e ICMS de compra de carro e o BPC [benefício de prestação continuada], que tem ajudado muito as pessoas com deficiência, estão sempre sendo questionados e temos de correr para ver se segura ou não."

Marco ponderou que o Conade, criado em 1999 e hoje vinculado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, tem atuação acima de correntes partidárias e disse não se lembrar de "nenhum governo que não tenha se aproveitado da vulnerabilidade" da parcela da população com deficiência para implantar suas plataformas, em vez de instituir políticas de Estado, de caráter permanente. Ele apontou que, diante de avanços como a Lei de Cotas, o BPC e outras ações afirmativas, "vimos lutando para impedir o retrocesso dessas conquistas, que foram frutos de muita luta na sociedade, e não presente dado por ninguém".

Os três convidados do "Parlamento Aberto Entrevista" concordaram que, para o combate ao preconceito contra a população com deficiência, é necessário investir em informação e na educação. Para eles, a atuação nas duas frentes é o que permitirá mudar o atual "olhar da sociedade".

"Há muito preconceito ainda e isso, normalmente, é fruto da desinformação e da falta de formação: quanto mais as pessoas souberem, reduz-se o preconceito. O olhar da sociedade é assim: olha para uma pessoa cadeirante, ela tem valor menor que uma que não usa; vê primeiro a deficiência para depois ver a pessoa. Precisamos mudar essa atitude. O uso da cadeira, da muleta, da bengala não faz nem desfaz a pessoa; ela continua a ser pessoa, não importa se tem ou não deficiência nem de que tipo", comentou Francisco.

"É preciso que a sociedade olhe não para a deficiência, mas para a pessoa em sua condição humana, de cidadã. É a mudança atitudinal que esperamos, e infelizmente sabemos que não é tão fácil. As pessoas com deficiência por muito tempo viveram numa invisibilidade; aos poucos isso vem mudando, é um processo. Infelizmente, a sociedade parece não aprender tão rapidamente que somos todos iguais. Se não consegue compreender isso, ela jamais aceitará uma pessoa com deficiência como detentora de direitos", acrescentou Marco, que defendeu "implantar nos currículos escolares noções de direitos humanos desde a educação infantil".

"A base de tudo são a informação e a educação. Percebemos que essa geração que vai vir está muito mais aberta para esse aprendizado, que deveria estar incorporado de alguma forma, porque percebo que existe muito preconceito ainda. Temos de enxergar primeiro a pessoa; a deficiência não é o que as define", endossou Wander, para quem o Poder Público ainda erra ao considerar a população com deficiência como minoria, à qual políticas públicas podem ser deixadas "para depois".

Cidadania Parlamento Aberto Gilmar Rotta

Texto:  Ricardo Vasques - MTB 49.918
Supervisão de Texto e Fotografia: Valéria Rodrigues - MTB 23.343

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