EM PIRACICABA (SP) 06 DE AGOSTO DE 2020

Governos omissos prolongam angústia com pandemia, avaliam internautas

Roda de conversa promovida pela Escola do Legislativo discutiu efeitos da crise sobre a saúde, o emprego e o futuro como sociedade.




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Roda de conversa virtual aconteceu nesta quinta-feira




A angústia foi o sentimento predominante verbalizado por internautas que participaram, na tarde desta quinta-feira (6), de uma roda de conversa virtual para discutir os efeitos que a pandemia da Covid-19 tem gerado na vida de cada um e na das pessoas à sua volta. O bate-papo foi transmitido pela plataforma virtual Zoom e pelo canal do YouTube da Escola do Legislativo, que promoveu o evento.

Mais de 40 pessoas acompanharam o debate, que deu voz a quem quisesse fazer um balanço de como tem sido sua rotina desde março, quanto tiveram início as restrições impostas pela quarentena. A sensação comum é de esgotamento, em razão do tempo prolongado de sacrifício das atividades do dia a dia, aliada à falta de perspectiva ante a ausência de uma ação articulada do governo federal com estados e municípios.

Um dos mediadores da conversa, Tiago Cerqueira Lazier, mestre em direito, política e economia e doutor em ciência política, estabeleceu como ponto de partida da discussão o tema do evento, "Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come? Entre a doença e a fome na pandemia", para ilustrar os dois lados mais afetados pela crise que marca 2020: a saúde e o emprego.

"Se ficar o bicho pega: as pessoas precisam trabalhar, ganhar seu sustento, mas quase 100 mil morreram até agora. Se correr o bicho come: amigos, familiares e pessoas queridas estão morrendo, mas a insegurança em relação ao sustento também castiga e, às vezes, mata. E agora, temos que optar entre a doença ou a fome?", indagou Tiago, para abrir o diálogo.

À provocação lançada pelo doutor em ciência política, somaram-se pontos de vista de pessoas de diferentes áreas de atuação. Mediadora da conversa junto com Tiago, a doutora Célia Regina Rossi, professora de psicologia, se disse "dividida e incomodada" em relação à conduta das pessoas durante a quarentena.

Ela ponderou que há os que não podem permanecer em casa por exigências próprias do trabalho, ao mesmo tempo em que existem os que saem para se divertir, inclusive sem máscara, "como se não tivéssemos que olhar para o outro", "como se a vida estivesse acontecendo normalmente". Para Célia, a pandemia traz à tona "o que entendemos por coletividade, qual nosso sentido de cidadania".

O professor Josué Adam Lazier ponderou que a pandemia acentuou um processo de precarização que já ocorria no Brasil e falou de seu sentimento dúbio em relação ao que reserva o futuro. "É um misto de esperança, de que encontraremos alternativas para superar essa precariedade da saúde e do sustento, com medo, porque vejo um certo distanciamento daqueles que estão no poder no trato dessas questões que estão atingindo o que é básico na existência com dignidade, que são a saúde, o trabalho e o alimento."

Com o agravamento das desigualdades sociais e de gênero por conta dos efeitos da pandemia, internautas que participaram da conversa afirmaram constituir um "privilégio" não terem sido impactados no emprego e na renda, já que para expressiva parte da população o cenário é dramático.

Yuri Forte afirmou ser grato por ele, servidor público em Campinas, e a esposa, que trabalha em um lugar "com valores sociais, ambientais e humanos", terem condições de suportar a crise. Ele lamentou que não haja em nível nacional uma "gestão clara e controlada" da crise, com um "gabinete sério" com soluções para os problemas econômicos, sociais e sanitários.

"O que me preocupou desde o início é a ausência de gestão em todos os níveis; foi mais um óbvio do óbvio, que qualquer pessoa com um mínimo de bom senso faria. Parece que estamos na primeira semana de discussão", desabafou, citando o "desalento" que percebe nas pessoas. "Mesmo o brasileiro que fez uma quarentena bem feita cansou, está ultraestressado. O que falta [cumprir seu papel] não são as pessoas, mas o Estado, que aglutina e dá uma clareza de fala."

"Somos pessoas privilegiadas, podemos ficar em casa. Todos tiveram algum ajuste em relação ao trabalho e à questão financeira, mas estamos conseguindo administrar toda essa situação. O que me preocupa são as novas relações de trabalho e aprendizado. Estamos no momento de pensar esses novos modelos. Como chegaremos a isso se não há vontade dos políticos? Como as pessoas vão conseguir ter voz nisso?", questionou Carmen Blanco, ativista do Instituto Ambiente Total.

"Sinto-me privilegiada por ter acesso à internet e aos poucos alunos que conseguimos atingir desse modo virtual", declarou Raquel Machado, professora na rede estadual de ensino. Ela enfatizou que possuir celular com WhatsApp não significa que o estudante conta com internet para assistir a uma aula virtual. "É muito diferente o acesso ao WhatsApp do acesso à internet real", distinguiu.

A docente mostrou preocupação com a cobrança, de parte da população, para o retorno às aulas presenciais, sem uma política pública que tenha revertido a propagação da Covid-19. "Parece que chegou um momento em que todo mundo resolveu sair e 'está tudo liberado'. Cansou de ficar em casa e pressiona a escola para que retorne, quando é preciso se resguardar. Para essa pandemia passar, para a curva baixar, é necessária uma atitude de mudança, que o ser humano resiste a ter", lamentou.

Diretora da Escola do Legislativo, a vereadora Nancy Thame (PV) concordou com a preocupação de Raquel e disse que o mais adequado, no momento, seria usar a reta final do ano letivo para reforçar a qualificação do corpo docente. "Estamos num momento de grande insegurança. Se a gente perder a vida de uma criança, [a retomada das aulas] já não valeu a pena. Não seria mais interessante pegar esses meses para dar uma formação aos professores, entender o que estamos passando, do que para falar que concluiu o ano?", refletiu.

Professora aposentada, Marilia Mazeto comentou que a quarentena para o controle da disseminação do novo coronavírus, ao obrigar ao confinamento, explicitou como a mulher segue sendo vítima da violência doméstica e o esvaziamento das políticas públicas que deveriam combater esse cenário.

"Falta estrutura de atendimento à mulher que sofre violência doméstica, que está sem orçamento desde 2019. A pandemia vem mostrar isto para nós: essa desgovernança quer desestruturar algo que vimos conseguindo aos poucos e agora não tem esse alcance. Coletivamente, a pandemia me deixa muito angustiada; fico triste com o norte que as políticas sociais do Brasil estão tomando."

Advogada e servidora pública, Renata Hugo chamou a atenção para o uso da crise por políticos que buscam tirar proveito em ano eleitoral e para o impacto da pandemia sobre pessoas em situação econômica precária. "O que mais me incomoda é quando, ao ver que amigos de meu ciclo estão sofrendo também com a falta de emprego, fico imaginando pessoas em situação pior."

No encerramento da roda de conversa, Tiago comentou que o desafio é a compreensão, pela população, de que a saída para a crise envolve ação dos governos e a cooperação da sociedade. "As pessoas estão olhando a pandemia não como um problema sistêmico, em que o governo deve ter papel fundamental para organizar a resposta na saúde e na economia", afirmou.

"Como parte da população não enxerga isso, ela acaba não participando de uma solução conjunta, não espera que o governo tome medidas econômicas, nem pensa do ponto de vista de sociedade para evitar contaminar as pessoas. É preciso fazer com que as pessoas se vejam como parte da sociedade, reconheçam o problema como sistêmico e busquem soluções colaborativas, acima do 'cada um por si'. Isso inclui o governo assumir seu papel, inclusive garantindo renda e saúde para as pessoas neste momento", concluiu.

Escola do Legislativo Nancy Thame

Texto:  Ricardo Vasques - MTB 49.918
Supervisão de Texto e Fotografia: Valéria Rodrigues - MTB 23.343

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