EM PIRACICABA (SP) 23 DE OUTUBRO DE 2019

Oficina estimula cultura da paz e incentiva 'olhar mais empático'

Evento foi realizado nesta quarta-feira, na Escola do Legislativo da Câmara de Vereadores de Piracicaba.




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Osmar Ventris estimulou o diálogo e a troca de experiências entre os participantes




"Ouvir é função automática dos nossos ouvidos; nós ouvimos tudo, inclusive o que não queremos. Escutar, porém, já é função do cérebro. Muitos ouvem, mas nem todos escutam", afirmou o advogado Osmar Ventris na manhã desta quarta-feira (23), durante a oficina prática "Círculos de construção de paz: troca de saberes", oferecida pela Escola do Legislativo da Câmara de Vereadores de Piracicaba em parceria com o Instituto Pacto de Convivência.

Com o objetivo de fazer com que os participantes refletissem sobre a importância de dar voz às pessoas, ouvir empaticamente e procurar entender o sentimento do próximo, Ventris iniciou a roda de conversa estimulando o diálogo e a troca de experiências em diversos ambientes de convivência.

"Embora a gente saiba o que é a vergonha, essa é uma pergunta que, geralmente, ninguém faz. Por isso, muitos não saberiam definir", refletiu o palestrante. Ele explicou que a vergonha é uma forma de autodefesa, de padronizar comportamentos, de ditar modismos e também de inibir ações. "Dissemina-se uma cultura, por exemplo, de que andar com determinada roupa é algo vergonhoso. A vergonha faz com que procuremos espaços onde vamos nos sentir bem, a fim de evitar situações desconfortáveis."

Para explicar os conceitos de justiça restaurativa, o palestrante defendeu que a prática da empatia, imprescindível para que qualquer relação evolua, difere-se muito da simpatia. "Com a simpatia tentamos tirar a pessoa de uma situação mostrando o lado positivo de outras. Ser empático é trazer o cérebro para o coração, nos conectando com o que o outro está sentindo para nos colocarmos em seu lugar", ponderou.

"Quando alguém está chateado porque bateu o carro, por exemplo, o ideal seria não atentar ao fato, mas, sim, ao que ela está sentindo. Em nenhum momento mencionarei o ocorrido, vou tentar me conectar ao que a pessoa está sentindo para que ela exteriorize esse sentimento. Se deixarmos a pessoa falar, chegará uma hora em que ela mesma vai procurar a solução para o problema dela nas suas próprias palavras", argumentou.

Segundo Ventris, quando o fato torna-se mais importante que o sentimento, o indivíduo tende a ficar na defensiva e sente a necessidade de contra-atacar, tudo na tentativa de justiçar ações e sentimentos que não foram levados em consideração. "Precisamos aprender a lidar menos com o fato e mais com o sentimento. Isso é a base da convivência e da cultura de paz, já que o fato tem vários significados dependendo da forma como você o enxerga."

Para o advogado, olhar mais empaticamente para os sentimentos das pessoas é quebrar diversos paradigmas construídos ao longo do tempo. "A Justiça comum quer saber, apenas, qual lei foi ferida e por quem. José roubou um carro: de que maneira a Justiça vai cuidar disso? Quem é a vítima no caso? Na Justiça, a vítima é sempre o Estado. José feriu a lei que o Estado fez. A pessoa que teve o seu carro roubado se torna mera testemunha de acusação", explicou.

Ele acrescenta que o Estado não quer saber como o indivíduo está se sentindo ou as suas necessidades. "José recebe a condenação, mas não se responsabiliza pelo que fez, não procura reparar o dano, recebe uma pena imposta, e tudo que é imposto gera revolta, mesmo quando estamos errados."

Ventris salienta que no caso do hipotético José, muitas pessoas diriam: "Pelo menos ele está pagando pelo que fez". "Pagando para quem?", questionou. "Você só sabe se ele foi punido se for atrás para saber; do contrário, ninguém vai te avisar. Vão devolver o seu carro? Não. José pensa que, se cumprir a pena dele, estará livre. Mas, quando ele sai, a sociedade reconhece que ele pagou a dívida? Recebe-o de braços abertos? Não. A prisão serviu para quê? Apresentou algum processo de ressocialização?"

De acordo com ele, as pessoas esperam que o sistema que existe desde os primórdios da humanidade provoque um efeito positivo. Em vez disso, as vítimas não se sentem atendidas e o indivíduo sai da prisão revoltado. "A justiça restaurativa não anula a Justiça do Estado. Cometeu algum crime, terá que responder por isso, mas a justiça restaurativa vai trabalhar em cima do indivíduo para que ele se conscientize, se responsabilize e não saia do sistema prisional pior do que entrou. Esse modelo de justiça diminui drasticamente o índice de reincidência", avaliou.

O palestrante equipara a história hipotética de José com a do lobo mau, dos clássicos da Chapeuzinho Vermelho. "Ninguém jamais procurou ver o lado do lobo mau, só conhecemos a versão da chapeuzinho e confiamos nela cegamente. A justiça restaurativa se preocupa com os sentimentos, evidencia a importância de validar o sentimento do outro, para que ele mesmo se responsabilize e encontre uma forma de reparação", pontuou.

Ventris admite, no entanto, que é "muito difícil", em qualquer ambiente, identificar a necessidade do outro. "Validar os sentimentos do próximo não é dizer que nós também faríamos o mesmo. Quando ouvimos com empatia, não podemos julgar. O advogado procurará o seu erro na lei; o psicólogo, em traumas antigos; os pastores e padres, na bíblia, mas nenhum deles se conecta com o sentimento do outro. Essa é uma dificuldade cultural da nossa sociedade."

O diálogo empático, segundo Ventris, leva a pessoa a tomar uma decisão reparatória e a se responsabilizar por suas ações. "Validar é sentir o que a pessoa está sentindo e possibilitar que a solução surja por meio dela mesma, sem a intervenção de ninguém."

O palestrante sugere que as pessoas se conectem mais com o ser humano, adquirindo, principalmente, conhecimento. "Com o QI [quociente de inteligência] você já nasce, mas a inteligência emocional pode ser aprendida."

Diretora da Escola do Legislativo, a vereadora Nancy Thame (PSDB) comentou que a sociedade "está em ebulição". "Não se fala mais em cidadania e em respeito ao próximo. Esse caminho não está dando certo, independentemente do momento político que vivemos. Ao mesmo tempo, eu gostaria de ter esperança, e o curso do Osmar Ventris vem justamente para isso. A cultura da paz é um jeito de olhar o mundo contra a corrente de tudo que estamos vivendo. No entanto, só vai funcionar se todos estiverem unidos", refletiu.

Escola do Legislativo Nancy Thame

Texto:  Raquel Soares
Supervisão de Texto e Fotografia: Valéria Rodrigues - MTB 23.343
Revisão:  Ricardo Vasques - MTB 49.918

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