EM PIRACICABA (SP) 02 DE SETEMBRO DE 2020

Pandemia gera mudanças e expõe dificuldades de pessoas com deficiência

Avaliação é de convidados que participaram nesta quarta-feira do programa "Parlamento Aberto Entrevista", que abriu o calendário de atividades do "Setembro Verde e Azul".




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Jornalista Fábio Alvarez foi um dos âncoras do programa

Crédito: Guilherme Leite - MTB 21.401


Com desafios maiores e necessidade de cuidados redobrados, mas também com mudanças tecnológicas que podem beneficiar mais pessoas com deficiência. Assim está sendo encarado o período que já ultrapassa seis meses no país, com os riscos e as restrições impostos pela pandemia da Covid-19, por quem vive a realidade de milhões de brasileiros com alguma limitação de natureza física ou intelectual.

O assunto foi discutido pelo programa "Parlamento Aberto Entrevista" desta quarta-feira (2), marcando o início das atividades do "Setembro Verde e Azul", de estímulo à participação social das pessoas com deficiência, altas habilidades, superdotação ou transtornos do desenvolvimento. Levado ao ar pela TV Câmara, a atração contou com tradução em Libras e a interação do público pelas redes sociais, onde somente no Facebook mais de 2.300 pessoas foram alcançadas.

O programa reuniu representantes de diferentes áreas abrangidas pela campanha, com o professor Magno Prates trazendo a realidade da comunidade surda em tempos de pandemia, a agente política Milena de Fátima Correa Pinto comentando das pessoas com paralisia cerebral e cadeirantes e a mestra em ciências médicas Michelly Silveira Basso falando da parcela da população com altas habilidades, superdotação ou transtornos do desenvolvimento.

Além dos três convidados, os jornalistas Erich Vallim Vicente, do Departamento de Comunicação, e Fábio Alvarez, da TV Câmara, receberam no "Parlamento Aberto Entrevista" o presidente da Câmara, Gilmar Rotta (CID), autor do decreto legislativo 19/2020 —que instituiu o "Setembro Verde e Azul" no Legislativo, em parceria com o Comdef (Conselho Municipal de Proteção, Direitos e Desenvolvimento da Pessoa com Deficiência) e o Grupo Libras Piracicaba e Região—, e o vereador André Bandeira (PSDB), com atuação junto às causas da pessoa com deficiência. Todos participaram remotamente, via vídeo.

Especialista em linguagem com foco de estudo em autismo e apraxia da fala na infância, Michelly ponderou que a pandemia da Covid-19 trouxe impacto à vida de todos, mas com intensidades diferentes de acordo com as particularidades de cada um. Entre as pessoas com transtorno do espectro autista (TEA), ela identifica dois cenários.

"Para algumas pessoas que têm a dificuldade de socialização, o isolamento deixou-as numa zona de conforto, porque estão menos expostas àquela dificuldade de interação social. Já para outras, em relação ao processamento sensorial, que é presente em todas as pessoas com TEA, ficar dentro de casa pode desencadear uma dificuldade de autorregulação."

Michelly também comentou sobre o papel da internet durante o isolamento social: ao mesmo tempo em que concentrou, num mesmo ambiente, grande parte das pessoas, manteve os indivíduos com deficiência excluídos de uma interação maior em razão dos algoritmos que fazem um usuário se relacionar com perfis e serviços que lhe são afins.

"A internet foi potencializada, a nossa janela de comunicação foi equiparada. A barreira arquitetônica foi uma das eliminadas neste momento, pois deu acesso ao mesmo local onde todos podem estar. Mas os algoritmos, ao direcionar a determinados temas, de certa forma excluem, pois fazem não ter contato com pessoas com deficiência. A internet deu mais voz e acesso, mas, por outro lado, dificulta essa interação."

Milena, que integra o Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de Cordeirópolis (SP), destacou que, com a pandemia, ocorreu a ampliação das possibilidades de terapia on-line, inclusive alcançando gratuitamente grupos que não podiam arcar com os custos do acompanhamento de um profissional. A agente política concordou com Michelly de que a internet promoveu uma "janela de equiparação" neste momento.

"As necessidades da pessoa com deficiência ficaram mais evidenciadas e expostas durante a pandemia", disse. Ela observou que o período fez o restante da população sentir um tipo de vivência comum a quem tem deficiência. "Foi uma lição para os que não têm, porque viram como é ficar isolado. A pessoa com deficiência fica isolada por preconceito, por não ter acesso a algo, e o que muitas vezes faz é ficar dentro de casa."

A agente política defendeu que é preciso, "além da acessibilidade, focar nas potencialidades" do indivíduo. "A pessoa com deficiência, independentemente de pandemia ou não, sempre sofreu. Ela não ocupa ainda, infelizmente, todos os espaços que deveria ocupar. Claro que acessibilidade é importante, porque sem ela ficamos impedidos de agir globalmente, mas acho que o potencial da pessoa com deficiência é o mais importante, porque sou capaz e qualificada para ocupar meu lugar na sociedade."

Para a agente política, a luta deve ser não por igualdade, já que isso pode desconsiderar as particularidades de cada indivíduo, mas equidade. "Acho que o Poder Público abre portas, sim, mas ainda há muito que fazer, tanto por acessibilidade quanto para a colocação social da pessoa com deficiência, por seu potencial. Essa luta não termina; temos sempre que exigir do Poder Público que faça a sua parte e que nos equipare."

PANDEMIA - Assim como boa parte do público que assistiu ao "Parlamento Aberto Entrevista" desta quarta-feira, Magno, que é surdo, acompanhou as manifestações dos demais convidados por meio da tradução em Libras (Língua Brasileira de Sinais) feita, durante a transmissão, pelos intérpretes contratados pela Câmara. Já as suas participações, com o uso da Libras, foram verbalizadas ao público, também por meio dos profissionais.

O idealizador da campanha "Libras na TV", conselheiro nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência e vice-presidente da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos chamou a atenção para a dificuldade dos surdos em terem informações acessíveis sobre a Covid-19 em meios de comunicação e em governos e órgãos públicos. Na falta de fontes confiáveis, muitos acabam sendo vítimas de notícias desencontradas.

"As informações não são claras, e isso nos causa incômodo. Muitos pensam que o coronavírus é uma bobagem, pois as informações chegam de maneira errada; a própria família impede essa comunicação através de mímicas caseiras, fazendo-as serem perdidas", comentou Magno, observando ser "minoria" o número de famílias em que membros relacionam-se com surdos usando Libras.

O professor distinguiu três grupos de surdos: os que só se comunicam com Libras, os que são oralizados (conhecem a língua portuguesa, comunicam-se pela fala e são capazes de entender pela escrita) e os que são surdos-cegos. Para o primeiro grupo, é fundamental, segundo o professor, que conteúdos visuais, como telejornais, tenham uma janela grande, na tela, com o intérprete de Libras. No caso dos oralizados, as legendas garantem a acessibilidade. Já aos surdos-cegos é necessário, por exemplo, o uso de Libras tátil.

"O problema principal é a acessibilidade difícil. Já são seis meses vivenciando o coronavírus e pensamos: 'Já posso voltar para a rua? Já posso não usar a máscara?'. Precisamos continuar aconselhando os surdos através de informações que são públicas. Muitas ainda são falhas. Em geral é só em texto, e necessitamos da língua de sinais, pois somos seres visuais", comentou Magno, dizendo-se "admirado" com os esforços da Câmara de Piracicaba em garantir acessibilidade a todas as pessoas com deficiência.

Gilmar Rotta atribuiu os resultados alcançados pelo projeto "Câmara Inclusiva", braço do programa "Parlamento Aberto", ao diálogo estabelecido pelo Legislativo piracicabano com a sociedade local. "A Câmara, nesses últimos dois anos, vem passando por várias adaptações e trabalhando fortemente com a inclusão. Abrimos as portas para que as pessoas com deficiência venham até a Casa. Trouxemos entidades, dentro do programa 'Parlamento Aberto', para que falassem a mim, enquanto presidente, o que era necessário fazer para tornar a Casa mais acessível, e conseguimos adaptar praticamente todo o prédio, o salão nobre, o plenário."

O presidente da Câmara citou, ainda, o treinamento recebido pelas recepcionistas e a extensão, a partir do próximo ano, da atuação dos intérpretes de Libras contratados, "para que atendam tudo o que acontece nesta Casa". "Queremos ser exemplos para que outros espaços públicos façam ações para dar atendimento adequado a todas as pessoas."

André Bandeira comentou os riscos a que pessoas com deficiência estão expostas durante a pandemia da Covid-19 e, ao falar de inclusão, defendeu a necessidade de união para fazer valer o que já é garantido por lei. "O Brasil é um dos países mais ricos em legislação para a pessoa com deficiência, mas temos que tirar do papel e colocá-la na prática, para que a acessibilidade se estenda a todos."

"Acessibilidade e inclusão são palavras que englobam inúmeras situações, não só o cadeirante, o deficiente auditivo ou visual. São todas as pessoas com algum tipo de limitação, os idosos, a mãe com o carinho de bebê que precisa atravessar a rua com segurança; as faixas e a guia rebaixada facilitam a acessibilidade para toda a sociedade", completou o vereador.

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Texto:  Ricardo Vasques - MTB 49.918
Supervisão de Texto e Fotografia: Valéria Rodrigues - MTB 23.343

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