EM PIRACICABA (SP) 03 DE DEZEMBRO DE 2021

Participação da Câmara na formação escolar acontece desde o século 19

Os primeiros professores da então Vila Nova da Constituição, em 1826, foram vereadores; a Câmara também abrigou a primeira escola da cidade, em prédio na praça da matriz




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Participação da Câmara na formação escolar acontece desde o século 19




Registros históricos da Câmara Municipal de Piracicaba, sob a guarda e responsabilidade do setor de Arquivo e Documentação, com respaldo do setor Administrativo e participação do setor de Comunicação, na série Achados do Arquivo, em publicações às sextas-feiras trazem aspectos preponderantes de um tempo, 1826, quando Piracicaba estava na categoria de Vila Nova da Constituição, onde vereadores também assumiram as primeiras salas de aula, voltadas ao letramento da população.

Publicações do IHGP (Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba), Ipplap (Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba), acrescidas de estudos de historiadores, instituições e fundações governamentais, com base em atas e documentos oficiais de época destacam a criação das primeiras escolas na cidade de Piracicaba, com reflexo de uma época imperial, frente ao poder da igreja, no destino e formação do ser humano, em missão a que os jesuítas se predispuseram no ensino das primeiras letras.

Em Piracicaba, ofício da então Vila Nova da Constituição, em 22/04/1826 à presidência da Província, modificando, conforme instruções recebidas, para o cargo de professor de primeiras letras da localidade a Manuel Morato de Carvalho, por nele se achar os requisitos necessários para o fim desejado. Morato chegou a ser, positivamente, o primeiro professor oficial de nossa terra. Também foi vereador (1873 a 1876). A escola em que lecionou foi aberta pouco depois. Destinava-se apenas a meninos e chegou a contar com três dezenas de alunos. A edilidade tinha nomeado anteriormente Joaquim Floriano Leite para o cargo de mestre régio de primeiras letras, mas este não tomou posse. O legado de Manoel Morato e sua família se perpetua em Piracicaba, em denominações nos bairros Garças e Jardim Irapuã, na região de Santa Teresinha.

REFORMAS - a nova situação política e econômica em Portugal no século XVIII, e as repercussões da ideologia iluminista, frutos da Revolução Francesa, sinalizaram uma nova orientação pedagógica, cujos reflexos chegaram até o Brasil, em 1759, na supressão de todas as escolas jesuíticas, onde houve uma necessidade de preencher uma lacuna antes ocupada pelas aulas mantidas pela Ordem de Santo Inácio, sendo, portanto, fundamental a adoção de um plano que garantisse a continuidade do ensino que atendesse aos interesses do Estado Civil.

No Brasil, foram criadas 17 aulas de ler e escrever, sendo que para alguns lugares foi destinado apenas uma escola. Entre estes lugares estava a Capitania de São Paulo. Mesmo com a vinda da Família Real para o Brasil, em 1808, não houve uma mudança significativa no campo educacional, principalmente em São Paulo, pois o investimento maior estava no Rio de Janeiro, especialmente no ensino superior. Em São Paulo, no início do século XIX, as condições de ensino eram bastante precárias, e no interior paulista o sistema educacional era ainda pior.

Durante o Império, a Província de São Paulo contava com um número muito reduzido, apenas 13,52% das crianças frequentavam alguma escola, demonstrando a precariedade do ensino. Neste período, havia vários tipos de formação, sendo que o primeiro deles era o Ensino Primário, também conhecido por Primeiras Letras, destinado aos jovens entre 7 e 14 anos, cujo currículo básico variava de acordo com o sexo, aos que não fossem escravos, não tivessem nenhuma doença contagiosa ou repugnante, e não houvessem sido expulsos de outra escola. Passada esta faixa etária, ou se o estudante tivesse algum dos impedimentos mencionados, restava-lhe o ensino particular ou ele teria de esperar completar 16 anos, idade em que poderia frequentar o ensino noturno. Esse ensino era destinado aos alunos considerados “atrasados” e também aos escravos, desde que seu senhor os autorizasse.

Apesar de a Constituição do Império de 1823 determinar a criação de escolas de Primeiras Letras em todas as cidades, vilas e lugarejos, inclusive para meninas, e a garantia de instrução gratuita a todos os cidadãos, apenas alguns locais gozavam desses benefícios ainda de forma precária. Todo este processo de exclusão de grande parte da população pobre estava ligado à política local de manutenção de poder e concessão de privilégios a poucos. Nas colônias portuguesas, inclusive no Brasil, filhos de pobres e camponeses não deveriam aprender a ler e escrever, porque se alfabetizassem poderiam almejar ter outras profissões além das que seus pais tiveram.

Como poucas pessoas no Brasil do século XIX tinham acesso à escola e, consequentemente, à norma padrão escrita da época, a linguagem também passou a ser utilizada como um instrumento para impedir a comunicação de informações para a maior parte da população, excluindo-a do acesso ao poder. Considera-se que a começar do nível mais elementar de relações com o poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder. Para redigir um documento qualquer de algum valor jurídico é realmente necessário não somente conhecer a língua e saber redigir frases inteligíveis, mas conhecer também toda uma fraseologia complexa e arcaizante que é de praxe. Se não é necessário redigir, é necessário pelo menos entender tal fraseologia por trás do complexo sistema de clichês e frases feitas.

PRIMEIRA ESCOLA  - a primeira escola de Piracicaba foi criada em 13 de fevereiro de 1826, quatro anos depois de a região ter sido elevada à condição de vila, e, mesmo depois de construída, a maioria da população que se concentrava nas áreas rurais não tinha acesso a ela, ficando sua variedade linguística livre da imposição da norma culta. Com poucos recursos e quase esquecida pela capital da Província, Piracicaba mantinha precariamente seu ensino de Primeiras Letras, deixando sua população imersa em um grande “atraso cultural” e fortemente marcada pela tradição oral.

MANOEL MORATO - a 22 de abril, a Câmara Municipal enviava à Presidência da Província a indicação de Manoel Morato de Carvalho como professor, pois o primeiro indicado, Joaquim Floriano Leite, não havia sido nomeado. Em 1830 só havia uma escola em Vila Nova da Constituição (Piracicaba). Em 1835, em razão da morte do professor em exercício, Lourenço Antônio de Almeida, o único professor da vila, a escola parou de funcionar. Até quase a metade do século XIX, só havia em Piracicaba escola para meninos. A primeira escola feminina só foi instalada em 1845. Nessa época a única funcionava em uma sala da Casa da Câmara e da Cadeia. Em época de sessões da Câmara as aulas eram suspensas.

Não havia instrução secundária em Piracicaba. Os moços da elite piracicabana continuavam seus estudos na capital e as moças das classes mais abastadas tinham suas professoras, geralmente estrangeiras, que lecionavam em suas casas. Enquanto isso, a maior parte da população permanecia analfabeta. Era baixo o padrão de ensino em Piracicaba durante esse período, pois os professores não possuíam formação, não estavam preparados para as escolas primárias, além da falta de recursos para a criação e manutenção das escolas. De acordo com uma ata de 2 de julho de 1861, havia na cidade três escolas, sendo uma de latim e duas de instrução primária. Somente em 1872 foi criada uma terceira escola primária, a Escola Mista da rua do Porto, e para ela foi nomeada a professora Francisca Elisa da Silva, mais conhecida por Francisca de Castro, tendo trabalhado lá durante 27 anos.

Dentre os documentos consultados, um documento assinado pela própria professora Francisca, no qual ela afirma que a escola onde dava aulas funcionava numa casa cedida por alguém. Também se observa que, devido à falta de recursos na Câmara Municipal de Piracicaba, muitas vezes as escolas funcionavam com a ajuda de outras pessoas para ceder casas e/ou ajudar na reforma das mesmas. Registros históricos relatam sobre uma espaçosa casa, bem arejada, sala de 45 palmos, gratuitamente cedida pelo proprietário, o Senhor Antonio Theodoro de Moraes, parte por afeição pessoal pela causa do ensino.

ESCRAVOS - em 1882, em Piracicaba, havia cinco escolas públicas de ambos os sexos, com 286 alunos matriculados. De acordo com os estudos feitos pelo saudosos professor e historiador Guilherme Vitti, em 1883, Piracicaba contava com uma população de 15.738 habitantes, dos quais 5.339 eram escravos. Portanto, o número de pessoas que teriam acesso às escolas era muito reduzido em comparação com o grande número de analfabetos.

Em agosto de 1884, era nomeada para a escola da rua do Porto a professora Teresa Cristina dos Reis Teixeira, que abriu uma escola na rua Direita por alegar que no local onde estavam (rua do Porto) não havia casa própria para funcionar uma escola. Nessa escola, assim como em todas as outras, estava mal instalada, além de possuir um agravante, estava à beira do rio, sujeita a enchentes, lama, mosquitos e diversas doenças. A situação educacional em Piracicaba só veio a melhorar em fins do século XIX e, mesmo assim, nesse período “havia em Piracicaba 14 mil habitantes com 1337 crianças em idade escolar, e só havia nove escolas públicas.

ZONA RURAL - na zona rural, o setor educacional só começou suas atividades em 1898 com o funcionamento de uma Escola na Fazenda Pau d’Alho, regida pelo professor Antonio de Oliveira, ano em que também uma nova sociedade, denominada Sociedade Egualitária, fundada por negros, inaugurou uma escola na zona rural.

Na zona rural, o contato com a escola era curto, geralmente quatro anos. Após esse período, os alunos perdiam o elo com a civilização moderna e se voltavam ao cotidiano da civilização caipira, mantendo quase que intacta a sua variedade linguística que, devido à falta de continuidade escolar, não se ajustava à norma culta padrão da época. Do mesmo modo, a influência de instituições tradicionais, como família e religião, agia no sentido contrário ao da escola, uma vez que favorecia a imersão da criança no cotidiano familiar, cercada por pessoas que também usavam uma variedade linguística livre das regras da norma padrão durante um tempo muito maior que o período escolar. O processo de escolarização na zona urbana se processava de forma diversa do meio rural, sempre trazendo consequências futuras na vida da criança em sociedade.

A escolarização de nível primário no meio urbano distinguia-se por compreender uma fase da vida infantil que se caracterizava por ser aquela que precede imediatamente uma etapa crucial na formação da personalidade-status do sujeito: a do prosseguimento dos estudos ou, então, a do ingresso na força de trabalho. Tais alternativas extremas reproduzem para o imaturo, sob forma de opção sua e/ou de seus pais, a situação de classe de sua família, os limites sociais da sua mobilidade presente e futura e o desenrolar possível de sua biografia.

Até mesmo a maneira de ver a escola e a necessidade de permanência da criança numa instituição de ensino era diferente na zona rural e na zona urbana. Enquanto nos centros urbanos a escola é vista como um meio de ascensão social, na zona rural a escola era vista como um “trabalho em si”, ou, qualquer outro objetivo diferente que se tenha, é este sempre muito modesto.

Enquanto freguesia, Piracicaba não teve nenhuma escola, vindo esta a ser fundada somente no século XIX com poucos alunos, considerando a grande parcela da população excluída e em lugares precários. Sendo o acesso à escola no Brasil do século XIX um privilégio de poucos, a maioria da população pobre, formada por negros, mestiços e índios, estava excluída do acesso ao poder, contribuindo de forma involuntária para a manutenção do poder das elites locais.

FAMÍLIA MORATO - Francisco Antônio de Almeida Morato nasceu em Piracicaba (SP) no dia 17 de outubro de 1868, filho de Antônio Morato de Carvalho e de Ambrosina de Almeida Morato. Em 1879, mudou-se para a capital de São Paulo, onde estudou humanidades no Colégio Moretzsohn. Ingressou em 1884 na Faculdade de Direito, bacharelando-se em 1888. De volta a Piracicaba, foi inspetor escolar, provedor da Santa Casa de Misericórdia, promotor público e vereador por nove anos. Exerceu também a advocacia, trabalhando em colaboração com seu cunhado, o barão de Resende, e com Paulo de Morais Barros. Celebrizou-se como advogado em sua terra natal, sobretudo após a defesa e absolvição do acusado pelo assassínio do famoso pintor paulista José Ferraz de Almeida Júnior, morto em 1899.

Francisco Morato possuía terras na região de Piracicaba, onde era fazendeiro. Era membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e presidente do Tribunal de Ética Profissional. Na década de 1920, foi diretor interino da Faculdade de Direito de São Paulo por três anos. A mesma faculdade lhe conferiu o título de professor emérito, que pela primeira vez e só a ele foi concedido. Faleceu em São Paulo no dia 21 de maio de 1948. Foi casado com Maria Conceição Morato, com quem teve uma filha.

Achados do Arquivo Documentação

Texto:  Martim Vieira - MTB 21.939
Supervisão:  Rodrigo Alves - MTB 42.583
Revisão:  Martim Vieira - MTB 21.939


Anexos:
digitalização 01 e 22-04, 22-06.pdf

transcrição 01-04-1826, 22-04-1826 e 22-06-1826.pdf


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