Achados: por quem os sinos dobram? ou... os sinos devem dobrar?
Achados do arquivo: maus-tratos contra animais vira lei em 1908
Documento preservado pelo Setor de Documentação e Arquivo da Câmara Municipal de Piracicaba registra a lei sobre maus-tratos contra animais no século passado
Livro completo está disponível na plataforma de acesso aos documentos históricos da Casa
Crédito: Guilherme Leite - MTB 21.401A série Achados do Arquivo traz, nesta sexta-feira (10), uma lei que passou a vigorar em Piracicaba no ano de 1908, sobre maus-tratos contra animais. O documento está disponível para consulta no sistema Atom e faz parte do segundo Livro de Leis e Resoluções, com os registros dos atos entre os anos de 1903 e 1909.
O trabalho de leitura, identificação, elaboração do índice e transcrição esteve aos cuidados do estagiário Brenno Rodrigo Monteiro, sob supervisão da chefe do setor Giovanna Fenili Calabria. Também foi produzida uma pesquisa pela arquivista Dayane Cristina Soldan. Confira:
Na atualidade, muito se fala sobre o tratamento para com os animais, movimentos como o vegetarianismo e o veganismo ganham força. Porém, outrora o pensamento e relação eram de superioridade do animal humano para com os animais não humanos, muitas vezes utilizados como mero entretenimento, como foi o caso da civilização romana, onde esses animais eram utilizados como mero objetos de uma prática cruel e popular, realizada em arenas, onde aconteciam verdadeiros massacres e exibições de luta entre animais.
Pensando em tempos históricos, a preocupação com a causa animal é recente, quase 400 anos, sendo mais precisamente em 1635, na Irlanda, onde foi feita a primeira legislação contra a crueldade para com os animais. “Ela proibia arrancar os pêlos das ovelhas e amarrar arados nos rabos dos cavalos.”
Já em 1641, nos Estados Unidos, foi aprovado o “The Massachusetts Body of Liberties”, o primeiro código legal que citava brevemente a proteção aos animais, onde se lê: “Nenhum homem deve exercer qualquer tirania ou crueldade em relação a qualquer criatura bruta que normalmente é mantida para uso do homem.” e “Se algum homem tiver ocasião de conduzir ou conduzir gado de um lugar para outro que esteja longe, de modo que fique cansado, ou com fome, ou adoeça, ou ovelha, será lícito descansá-lo ou revigorá-lo, para competir tempo, em qualquer lugar aberto que não seja Corne, prado ou fechado para algum uso peculiar.” (em tradução livre).
No Brasil, a primeira lei que tratava, ainda que breve, acerca do assunto, foi o Código de Posturas da cidade de São Paulo, de 1886, cujo o artigo 220, dispunha que: “É proibido a todo e qualquer cocheiro, condutor de carroça, pipa dágua etc., maltratar os animais com castigos bárbaros e imoderados. [...] Os infratores sofrerão a multa de 10$, de cada vez que se der a infração.” (em transcrição livre)
Já uma legislação específica, em âmbito nacional, dispondo sobre o assunto, viria apenas 48 anos depois, por meio do decreto 24.645, de 10 de julho de 1934, que “Estabelece medidas de proteção aos animais”, e que no bojo de seu artigo 3º elenca extensivo rol do que se consideram maus-tratos.
Vale destacar que anteriormente a esta, o decreto 16.590, de 10 de setembro de 1924, buscou regulamentar as Casas de Diversões Públicas, proibindo as corridas de touro, rinhas de galos e de canários, e outras atividades que causassem qualquer sofrimento aos animais.
O curioso é que, na pacata Piracicaba do século XX, a lei que dispõe sobre o tema, é antecedente a essas legislações. Tanto é, que foi encontrado na ata preservada pelo Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara Municipal de Piracicaba, datada em 6 de abril de 1908, o registro de indicação de lei do então vereador Francisco Morato e que foi aprovada em plenário no dia 01 de junho de 1908.
A lei, datada em 18 de junho de 1908, foi encontrada no 2º Livro de Leis, Resoluções e Posturas [fls. 82v-85], que logo em seu artigo 1º expressa: “São proibidos todos os abusos, maus tratos e quaisquer atos de crueldade ou destruição, inultilmente praticados contra os animais em geral. (em transcrição livre, grifo nosso).
A lei, traz um arcabouço extenso no que dispõe a tipicação destas práticas de crueldade, envolvendo desde animais domésticos, de carga, destinados à alimentação que serão abatidos através de processo reconhecido pela Prefeitura Municipal, e também no que dispõe à pesca e à caça, e ainda“A mutilação de qualquer especie, como corte de orelhas, de caudas, etc;” (Art 1ª, item h), “empregação” de animais de saúde frágil em serviços, da “morte de animais mesmo daninhos e perigosos, por meios bárbaros e que lhes produzam inúteis sofrimentos” (Art 1ª, item k), uso de arreios em mal estado que possam molestar ou ferir os animais, e ainda prevê multas de 5$000 a 20$000 réis, e de 10$000 a 40$000 réis na segunda reincidência para os infratores que abusem ou causem sofrimento demasiado e prolongado aos animais, como marchas forçadas, utilização de carga em excesso, entre outras infrações.
O livro completo já está disponível na plataforma de acesso aos documentos históricos da Casa e pode ser acessado nesse link.
ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de parte do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Casa de Leis.
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