EM PIRACICABA (SP) 07 DE JANEIRO DE 2022

Câmara promoveu campanha contra a cólera nos primórdios de Piracicaba

Registros históricos mostram a decisão dos vereadores em medidas sanitárias para conter o surto da doença no país, que somente em 1855 ceifou mais de 150 mil brasileiros




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Câmara promoveu campanha contra a cólera nos primórdios de Piracicaba

Crédito: Arquivo Histórico da Câmara


A série Achados do Arquivo, em documentos sob a guarda e responsabilidade da Câmara Municipal de Piracicaba, que semanalmente às sextas-feiras traz aspectos dos primórdios de Piracicaba destaca o papel dos vereadores perante o surto de cólera, que varreu um enorme contingente no Brasil em pouco mais de um ano, em ondas da epidemia que perduraram até a década de 1860, como no Ceará, em 1862 e, no Rio de Janeiro, onde a pandemia durou de julho de 1855 a junho de 1856, só suplantada por outra onda epidêmica que veio em 1867 a partir da Guerra do Paraguai, ceifando a vida de mais de 150 mil brasileiros.

Em Piracicaba, na então Vila Nova da Constituição, sessão ordinária do dia 11 de outubro de 1855, sob a presidência de José Wenceslao de Almeida Cunha e com a presenças dos também vereadores: Francisco Ferras de Carvalho, Joaquim José d’Oliveira, João José da Conceição e João Leite Ferras de Arruda, foi lido um requerimento de José Rodrigues de Barros Cesar, pedindo licença para fazer um chiqueiro no salto do rio, para pegar peixe. Na mesma sessão os vereadores deliberaram sobre a criação de uma comissão, que ficou encarregada de dar parecer a respeito de uma portaria do presidente da Câmara, datada de 29 de setembro de 1855, na criação e divulgação de campanha envolvendo a população sobre os procedimentos de higiene para evitar a proliferação da epidemia da cólera, que já atingia o Brasil.

A primeira ação da comissão foi atuar na publicação de editais, compreendendo todo o limite da então Vila Nova da Constituição, também englobando a freguesia de Santa Bárbara, que nesta época era ligada a Piracicaba. O objetivo da comissão foi assegurar a participação das autoridades policiais e sanitárias do município e da população, nas medidas de prevenção, em defesa da saúde pública.

A Câmara também se colocou na condição de receber as denúncias sobre o desrespeito das medidas sanitárias, especialmente no tocante ao tratamento dispensado aos escravos e a totalidade da população. Primeiramente, foram nomeados cinco cidadãos para acompanhar estes trabalhos, “de reconhecida preponderância, zelo, inteligência e probidade, para cujo fim a comissão se debruçou”: reverendo vigário, Doutor Torquato, Doutor Melxior, José Pinto de Almeida e Capitão Bento de Mattos.

A comissão, juntamente com o presidente da Câmara, de acordo com a autoridade policial abriu campanha para angariar fundos pecuniários no caso de se verificar a necessidade pelo aparecimento da epidemia. Finalmente, no término da sessão, em ata registrada pelo secretário Correia d’Assumpção, os vereadores também aprovaram a inclusão de mais um nome, Emydio Justino de Almeida Lara a integrar a comissão.

COLERA - a cólera é uma doença que pode matar em poucas horas, causada por uma bactéria, o vibrião colérico, e não por um vírus, como o novo coronavírus (SARS-CoV-2), que causa a Covid-19. O vibrião foi identificado somente após várias pandemias. A cólera tem tratamento e vacina. A história da cólera, ao longo do século XIX, testemunhou seis pandemias durante 60 de seus 100 anos. No entanto, ao contrário da atual pandemia da covid-19, que se espalhou por mais de 185 países em pouco mais de três meses, a cólera foi se espalhando pelo mundo durante anos em cada um dos ciclos pandêmicos.

A cólera é uma doença que afeta o intestino delgado e é causada pela bactéria Vibrio cholerae, que entra no organismo de um indivíduo por meio do consumo de água e de alimentos que foram previamente contaminados pelo bacilo. Essa é uma doença relacionada majoritariamente à higiene e ao saneamento básico sendo que em regiões onde há uma falta de infraestrutura básica, como redes de esgoto, é comum ter vários casos de cólera assolando a população local. A cólera é uma condição relativamente grave, que pode levar o paciente a óbito.

A cólera nem sempre apresenta sintomas claros e, muitas vezes, tudo o que o paciente pode apresentar é uma forma de diarreia leve. No entanto, certos casos de maior gravidade de cólera necessitam de tratamento médico para evitar que eles evoluam e causem complicações ao paciente. Entre os principais sintomas de cólera, podemos destacar: diarreia volumosa, fezes líquidas e acinzentadas, náuseas e vômitos, febre leve, dores e cólicas abdominais, desidratação, letargia, pele seca e sede excessiva, baixa da pressão arterial e cãibras musculares.

O tratamento da cólera consiste na reposição dos líquidos e minerais que são perdidos na diarreia. Além disso, o paciente pode tomar antibióticos com o objetivo de matar a bactéria causadora da cólera. Pessoas que vão viajar para regiões endêmicas podem tomar uma vacina contra a cólera, que protege durante curtos intervalos de tempo e serve como uma forma de prevenção.

Um resumo da história, mais ou menos completo, mostra que mesmo demorando anos para ir de um canto ao outro do globo terrestre, a disseminação da cólera também foi, em grande parte, devido à modalidade da globalização na época: a colonização direta e, portanto, o crescente trânsito entre colonizadores e colonizados.

Deixando de lado a primeira pandemia (1817-1824) com origem na Índia, foi durante a segunda, de 1829 a 1837, que a comunidade científica aventou suas primeiras hipóteses, mas imperava a teoria miasmática do século XVII, atribuindo também aos “odores fétidos” a transmissão da cólera. Foi apenas durante a terceira pandemia (1846-1860) que uma resposta científica rigorosa e contundente foi dada.

RELATOS - dados oficiais do período apontam que mais de 150 mil pessoas morreram na primeira epidemia em todo o Brasil, desconsiderando os casos de subnotificação, onde estudos posteriores, apontaram a ocorrência de mais de 200 mil vítimas. Dessas, foram africanos e seus descendentes os mais afetados, devido às condições de vida e de trabalho que estas pessoas enfrentavam, evidenciando o descaso com que eram tratados, antes e depois do tráfico atlântico, onde foram escravizados em diversas partes do mundo. Pois, se antes havia a possibilidade de reposição de mão de obra relativamente barata, depois, ao longo da segunda metade do século 19, as elites procuravam recompor a força de trabalho através do tráfico interprovincial e da imigração europeia.

SANEAMENTO - a universalização do saneamento trouxe benefícios sociais, como a redução dos problemas de saúde e a melhora da qualidade de vida, além de ganhos econômicos para os cidadãos. Esses benefícios são também perceptíveis ao analisarmos a diminuição dos casos de doenças de veiculação hídrica, que provocam internações por doenças como diarreia, cólera e leptospirose.

Um estudo elaborado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) mostra que aproximadamente 65% das internações hospitalares de crianças de até 10 anos, são decorrentes de problemas relacionados à falta de saneamento básico, como a dificuldade do acesso à água tratada e aos serviços de coleta e tratamento de esgoto.

Os ganhos vão além da saúde, pessoas mais saudáveis têm aproveitamento melhor na escola e no trabalho. Na sala de aula, por exemplo, menores que vivem onde não há saneamento apresentam 18% a menos no rendimento e a reprovação de quem tem acesso a estruturas adequadas é 44,2% menor do que aqueles que não têm acesso. Os dados fazem parte da pesquisa Trata Brasil: Saneamento, Saúde, Educação, Trabalho e Turismo, desenvolvida pelo instituto Trata Brasil em parceria com a FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Desde a manifestação da cólera, em 1855, relatos médicos brasileiros apontam seu viés social, que, no caso do país, implicava a alta mortalidade de escravos e livres pobres. Do ponto de vista histórico, entretanto, a epidemia e sua dinâmica foram pouco estudadas. A recuperação de dados originais sobre a cólera e a análise das taxas de mortalidade associadas à doença auxiliam-nos a melhor compreender aspectos do universo escravo na zona urbana da cidade, no período subsequente ao fim do tráfico negreiro.

Os escravos habitavam choças de pau-a-pique, cobertas de sapé ou palmeira, sem janelas ou com grades, dormiam em esteiras sobre tarimbas de madeira, com dois e meio a três pés de largura. Recebiam duas ou três mudas de roupa por ano. A alimentação consistia em feijão, angu, farinha e às vezes um pedaço de charque ou toucinho e nas regiões de açúcar, o melado e nas zonas cafeeiras, o café. Mesmo após o cessamento do tráfico negreiro, entraram no País mais de 50.000 escravos; em 1870, o elemento escravo constituía 40% da população total de Constituição.

ACHADOS DO ARQUIVO - a série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de parte do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligados ao Departamento Administrativo, criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara, todas às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Casa de Leis.

 

Achados do Arquivo Documentação

Texto:  Martim Vieira - MTB 21.939
Supervisão:  Rodrigo Alves - MTB 42.583
Revisão:  Martim Vieira - MTB 21.939


Anexos:
digitalização 11-10-1855 2.pdf

transcrição 11-10-1855 2.pdf

transcrição 11-10-1855.pdf


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