EM PIRACICABA (SP) 12 DE MARÇO DE 2020

Mesa-redonda do Mês da Mulher discute violência obstétrica

Atividade foi organizada pelo grupo de trabalho da Rede de Atendimento e Proteção à Mulher




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Encontro aconteceu na noite desta quarta-feira (11), na Faculdade Anhanguera

Crédito: Davi Negri - MTB 20.499


Considerada uma das fases mais importantes para a mulher, a gravidez requer cuidados especiais. Tanto que, baseada no respeito aos direitos humanos, a OMS (Organização Mundial da Saúde) estabeleceu em 2018 uma série de padrões globais de cuidado para a redução de intervenções médicas desnecessárias.

Como muitas mulheres ainda são vítimas de violências praticadas por profissionais de saúde, de forma verbal, física, psicológica ou sexual, um dos temas em forte discussão é a Violência Obstétrica, que inspirou a realização de uma mesa-redonda sobre o assunto, na noite desta quarta-feira (11), na Faculdade Anhanguera, assistida por estudantes de enfermagem, psicologia e direito da instituição.

A atividade fez parte da programação do Mês da Mulher e foi organizada pelo grupo de trabalho da Rede de Atendimento e Proteção à Mulher, coordenada pela Procuradoria Especial da Mulher da Câmara de Vereadores de Piracicaba, da qual fazem parte as vereadoras Nancy Thame (sem partido) e Adriana Cristina Sgrigneiro Nunes, a Coronel Adriana (CID), e pelo Conselho Municipal da Mulher.

Em linhas gerais, a violência obstétrica é uma violência de gênero contra a mulher grávida durante o pré-natal, parto ou pós-parto, ou em situações de aborto, em que deixam de ser adotadas as evidências científicas mais atuais. A definição é da ginecologista e obstetra Adelia Manso Marques, do Grupo do Parto Humanizado, que participou da mesa-redonda.

Segundo Coronel Adriana, embora o tema seja “espinhoso”, a discussão é fundamental para que as mulheres sejam informadas sobre seus direitos. “Nós, como vereadoras, recebemos constantemente reclamações relacionadas a esse assunto. Ainda hoje existem mortes evitáveis. Precisa ser discutido, porque não queremos nenhuma mulher morrendo em seu momento mais sublime, em sua plenitude, ao dar à luz a um novo ser”, disse.

A vereadora Nancy Thame disse que as discussões da Rede de Atendimento e Proteção à Mulher colaboram para que o público feminino esteja mais próximo dos espaços de poder e de decisão, historicamente marcado pela predominância do gênero masculino. “Mesmo tendo legislação, instrumentos e locais que fazem a nossa defesa, só vai funcionar se tivermos consciência política e cidadã”, definiu.

Segundo Tatiana Bonini, coordenadora do Departamento da Atenção Básica, Piracicaba conta com 51 PSFs (Programa Saúde da Família), 9 Crabs (Centro de Referência em Atenção Básica) e 11 UBSs (Unidades Básicas de Saúde) aptos a realizarem o trabalho de pré-natal.

A delegada dos direitos da mulher, Monalisa Fernandes dos Santos, criticou a ausência de uma legislação especifica no Brasil, o que, na opinião dela, contribui para as subnotificações dos casos de violência. Dois projetos de lei estão em tramitação (de 2014 e 2017) na Câmara dos Deputados, porém, sem avanços. “A Delegacia de Defesa da Mulher é a porta de entrada das reclamações. Todos os inquéritos que fiz são sobre os mesmos médicos, alternando um ou outro nome. Foram punidos ou condenados? Infelizmente, não tenho essa resposta. Na minha percepção, a falta de uma legislação gera impunidade”, opinou.

Para Monalisa, a violência obstétrica começou a ser debatida com mais intensidade com a popularização das redes sociais, espaço em que os movimentos feministas ganharam força. “A cultura machista vê a mulher como objeto. A violência caracteriza-se por uma grave violação dos direitos humanos, sexuais e reprodutivas da mulher. O ordenamento jurídico é arcaico ao tratar do tema”, completou ela.

As condutas violentas são tipificadas no Código Penal. Os enquadramentos para os vários tipos de violência são crime de homicídio culposo, lesão corporal, omissão de socorro, crime contra a honra, entre outros. “Muitas práticas abusivas são consideradas normais e a falta de informação é o principal fator que gera essa violência. Dificilmente a gente passa um ano sem ocorrência de morte de gestante ou do feto”, disse Monalisa.

O médico Rogério Tuon, coordenador do Programa de Residência Médica da Secretaria Municipal de Saúde, reconheceu a subnotificação dos casos de violência obstétrica. Ele saiu em defesa do trabalho realizado na rede pública pelo SUS (Sistema Único de Saúde). “O nascimento de um bebê é a coisa mais importante para uma mulher, sua família e seu grupo social. Há pessoas sérias atuando nas unidades. Claro que temos problemas, mas o SUS não é a violência obstétrica o tempo inteiro, não é o que acontece de maneira predominante”, esclareceu.

Tuon informou que o pacto pela redução da mortalidade infantil envolve uma ampla rede de colaboradores ––desde Ministério Público, Vigilância Epidemiológica e Pastoral da Criança, por exemplo–– e que essa interlocução é realidade no município desde 2005. Há também na cidade um monitoramento telefônico de gestantes. “A violência obstétrica acontece, mas é obrigação dos setores públicos e particulares combate-la com gentileza, educação e acolhimento.”

CUIDADOS –– A coordenadora do DRS-10 (Departamento Regional de Saúde do Estado de São Paulo), Elaine Zanatta, disse que a linha de cuidado na atenção à saúde da gestante e puérpera no município passa pelo planejamento familiar, para que exista uma gravidez planejada e desejada, avaliação de vulnerabilidade e risco, exames em tempo oportuno e promoção da vinculação ao local do parto.

Elaine informou que o governo federal lançou, em 2017, uma campanha de acompanhamento da gestante, como forma de reduzir as altas taxas de intervenções desnecessárias no parto. Para isso, houve definições de boas práticas, desde o acolhimento até o pós-parto, norteadas nos princípios do parto humanizado.

O governo federal também determina que as mulheres sejam informadas sobre os benefícios e riscos dos locais de parto. “O Ministério da Saúde estabelece uma série de diretrizes para o parto humanizado, entre as quais o tratamento com respeito, o acesso às informações e a inclusão da mulher nos processos de decisão. Cada vez ela está empoderada do que pode e não pode ser feito em seu parto”, definiu.

Entre os procedimentos realizados no passado e que hoje são classificados como violentos está o uso de fórceps, aceleração do parto e o corte precoce do cordão umbilical.

Em vigor desde o ano passado, a lei conhecida como Lei Janaína Pascoal (por ter sido proposta pela deputada estadual) foi citada pelo ginecologista e obstetra José Higino Ribeiro dos Santos Jr., coordenador da Saúde da Mulher do Município. A lei permite que a mulher possa optar por cesárea, mesmo sem indicação médica. “Vivemos no dilema e na divergência em que foi dada a voz à mulher, você precisa organizar politicas que consigam trazer todos os lados. Só tem uma única coisa a ser feita: ouvir. A gente tem que informar e saber o que a mulher considera melhor para ela. Mas a gente também tem que praticar, senão a violência obstétrica sempre vai acontecer.”

Para Santos Jr., o Brasil é considerado em todos os congressos mundiais como uma vergonha, por ter 80% dos partos cesárias, enquanto a visão de parto humanizado é a do parto normal. “É uma vergonha ter uma política desta”, opinou.

CASOS –– No pré-natal, a violência pode se manifestar por meio de comentários ofensivos, agendamento de cesariana sem indicação clínica ou quando a mulher não recebe informações necessárias para tomar as próprias decisões, informou a ginecologista e obstetra Adelia Manso Marques.

Já a violência no parto é constituída pela recusa na admissão hospitalar e a proibição de entrada de acompanhante, procedimento assegurado por lei federal desde 2005. Somam-se a estes fatores qualquer ação verbal que provoque medo ou insegurança na mulher, privação de água e alimento ou a realização de procedimentos invasivos ou desnecessários.

Dos exemplos registrados no período pós-parto, Adelia citou ser proibido impedir ou retardar o contato da mãe com a criança e impedir o direito de amamentar.

Segundo Adelia, a violência pode ser ainda institucional, por exemplo, quando um hospital não dá recursos necessários para o trabalho adequado do médico. “A medicina é dinâmica, a gente acreditava que o melhor parto era o rápido, mas a obstetrícia do século 21 mostra que o parto é individual, envolve questões culturais e emocionais”, contextualizou.

A atividade teve espaço ainda para que Carolina Romani Brancalion apresentasse as atribuições da Defensora Pública do Estado de São Paulo e como é o atendimento na unidade de Piracicaba, criada em 2011, além da legislação relacionada à humanização do parto e das orientações da Organização Mundial da Saúde, que recomenda a prioridade ao parto normal. A defensoria pública conta com um núcleo especializado na defesa da mulher, na capital paulista.

Acompanharam a mesa-redonda Lia Mara Oliveira, do Conselho Municipal da Mulher, e Marcelo Francisco, diretor geral da Anhanguera Educacional. A responsável pela mediação foi Laura Maria Pires de Queiroz, integrante do Conselho Municipal da Mulher, e Elaine Zanatta, articuladora da saúde da mulher da DRS-10.

Procuradoria Especial da Mulher Adriana Nunes Nancy Thame

Texto:  Rodrigo Alves - MTB 42.583
Supervisão de Texto e Fotografia: Valéria Rodrigues - MTB 23.343

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