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CPI revela supostas fraudes no processo de atendimento a Jamilly
Relatório final foi apresentado à imprensa em entrevista coletiva na tarde desta segunda-feira (18); relatório vai dar entrada na 13ª Reunião Ordinária
Relatório final foi apresentado, após cinco meses de trabalhos
Crédito: Guilherme Leite - MTB 21.401A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Caso Jamilly identificou a ocorrência de supostas tentativas de fraudes no processo documental do atendimento à menina de cinco anos, que morreu vítima de picada de escorpião, em agosto do ano passado. A suspeita de prática criminosa é denunciada no relatório final da apuração, protocolado na Câmara Municipal de Piracicaba na última sexta-feira (15), após cinco meses de investigações. A conclusão dos trabalhos foi divulgada para a imprensa e dará entrada na 13ª Reunião Ordinária, nesta segunda-feira (18).
A paciente Jamilly Vitória Duarte deu entrada, no dia 11 de agosto, na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) da Vila Cristina, que é referência para casos de picada de escorpião, mas não recebeu o soro antiescorpiônico no local. Ela morreu na manhã seguinte, na Santa Casa, para onde foi transferida. Em julho do ano passado, pouco mais de um mês antes do Caso Jamilly, a UPA deixou de ser gerenciada pelo poder público municipal e passou para o controle da OSS Mahtma Gandhi.
A CPI foi formada na Câmara, em 24 de agosto do ano passado, e composta pelos vereadores Acácio Godoy (PP), presidente; Gustavo Pompeo (Avante), relator; e pelos membros Cássio Luiz Barbosa (PL), o Cássio Fala Pira, Pedro Kawai (PSDB) e Paulo Camolesi (PDT). O relatório será encaminhado à Polícia Civil, ao Ministério Público, à Prefeitura Municipal de Piracicaba e a órgãos de classe, como o Coren (Conselho Regional de Enfermagem) e CRM (Conselho Regional de Medicina).
“Nós falhamos com a Jamilly desde o momento em que ela pisou na UPA”, afirmou o presidente da comissão, Acácio Godoy. “A médica ficou mais tempo fazendo burocracia do que atendendo a menina. Quem dedicou tempo em prestar o atendimento foi o corpo de enfermagem”.
O relatório final, assinado por Gustavo Pompeo, conclui que o atendimento de Jamilly na UPA não contou com apenas um erro, mas com uma “sequência de acontecimentos que comprometeram o atendimento de forma crítica”. Os problemas tiveram início desde a inoperância do sistema no dia em que a criança deu entrada na unidade, o que resultou na classificação inadequada da paciente. O risco foi identificado com a cor laranja, que é grave, mas não no vermelha, que é grau máximo de gravidade. Jamilly também não foi encaminhada para a sala de emergência, mas apenas para a sala de observação e não recebeu o monitoramento necessário para casos graves como o que ela apresentava.
O relatório também aponta a falta de conhecimento dos fluxos de atendimento, medicamentos e procedimentos por parte da equipe da UPA, incluindo a médica responsável pelo atendimento, que, em um primeiro momento, não prescreveu o soro antiescorpiônico, medicamento fundamental para conter a ação do veneno no corpo humano. A profissional prescreveu apenas soro fisiológico, dramim (para conter vômitos) e dipirona (contra a dor).
Além disso, é citada a dificuldade da equipe em realizar novamente o acesso venoso periférico de Jamilly, que foi perdido alguns minutos depois. A equipe do Samu, acionada para transferir a paciente para a Santa Casa, também teve dificuldades para realizar a punção, que foi realizada, mas também perdida na chegada à Santa Casa.
“Após a realização da triagem observamos que todos os esforços da médica estavam resultando na busca da transferência da JVD, ao invés da aplicação do antidoto”, diz o texto do relatório. “A dificuldade da equipe de técnicos e enfermeiros em conseguir puncionar a paciente em tempo suficiente para correr a medicação, impossibilitou a difusão de qualquer medicamento que pudesse trazer a ‘estabilização’ da JVD”.
Fraude - Além das dificuldades apontadas, o relatório destaca divergências e supostas fraudes no preenchimento do prontuário da paciente, possíveis irregularidades no preenchimento do livro de registro de retirada do antídoto da geladeira de armazenamento e pontos contraditórios encontrados em depoimentos.
Dentre as divergências, a comissão identificou que o soro antiescorpiônico não teria sido prescrito pela médica até o momento da transferência da criança pelo Samu. Mas a prescrição aparece posteriormente no prontuário que permaneceu na UPA. No prontuário entregue à CPI pela OSS, consta a prescrição do soro antiescorpiônico. Já no prontuário que seguiu com Jamilly para a Santa Casa, fornecido pelo hospital, não há a prescrição do soro. Conforme os depoimentos colhidos pela CPI, o prontuário teria sido adulterado após a transferência de Jamilly.
A médica responsável pelo atendimento informou, em depoimento à CPI, que não sabia da existência do soro na unidade e que fez a prescrição após obter a informação. Membros da equipe relataram, também em depoimentos, que a médica teria informado que não sabia a dosagem a ser aplicada na criança.
“Essa possível fraude nos documentos é como matar a Jamilly duas vezes”, avaliou o relator, Gustavo Pompeo. “É uma violência quando não fazem o tratamento adequado e depois ainda possivelmente se faz essa adulteração de documentos”.
Em diligência à UPA em 26 de setembro, os membros da CPI coletaram o livro de registro de retirada de medicamentos da câmara fria. E lá constava a retirada de quatro ampolas de soro antiescorpiônico destinadas à paciente Jamilly. No entanto, a paciente não recebeu o antídoto. Já o enfermeiro que aparece como responsável pela baixa do medicamento manifestou à CPI que a assinatura que constava no livro não havia sido feita por ele.
Por esse motivo, a CPI recomenda que seja realizado exame grafotécnico pela Polícia Civil a fim de averiguar a possível falsificação de assinatura no livro de registros de retirada de medicamentos da unidade. A CPI também solicita à Polícia a análise de imagens, já que, segundo a médica, alguém teria informado que não havia soro na unidade. O objetivo é saber se esse diálogo aconteceu no momento descrito pela profissional.
Recomendações – Além da apuração dos fatos que envolveram o atendimento de Jamilly, o relatório da CPI se dispõe a realizar recomendações para que casos semelhantes não ocorram no futuro. “Recomenda-se a revisão e aprimoramento dos protocolos de atendimento, treinamentos periódicos para a equipe, investimentos em tecnologia para garantir a eficácia do sistema e ações para assegurar a integridade e transparência nos registros médicos”, traz o texto. “O relatório final da CPI busca, assim, contribuir para a promoção de mudanças substanciais no atendimento de urgência e emergência, visando evitar novas perdas de vidas e fortalecer a confiança da população nos serviços de saúde oferecidos pela cidade”.
Para a CPI, também ficaram evidentes as falhas no processo de transição da UPA da Vila Cristina do gerenciamento do município para a OSS Mahatma Gandhi e também no treinamento dos novos funcionários. “Como apurado, esse processo pode ter contribuído para que a equipe que assumiu as funções de atendimento para a população, não tivessem o conhecimento completo dos fluxos de atendimentos realizados na unidade. A dificuldade de relacionamento apontado entre os funcionários públicos e os profissionais que prestariam serviço pela OSS ficou evidente dentre os depoimentos colhidos e no final ficou claro que esse processo precisa de aperfeiçoamento, para garantir qualidade no atendimento à população”, traz o relatório.
A recomendação é que, durante o período de transição, todos os protocolos de atendimento realizados na unidade sejam minuciosamente evidenciados, com a afixação de cartazes com as informações sobre os fluxos de atendimento. Além disso, sugere o alinhamento com os treinamentos fornecidos pela vigilância epidemiológica e disponibilização do checklist elaborado pelo órgão para atendimento de casos de escorpionismo.
“É crucial que o fluxo estabelecido seja amplamente conhecido por toda a equipe da unidade, com especial ênfase na classificação e encaminhamento adequado dos pacientes para a sala de emergência. Isso se torna ainda mais vital quando se trata do monitoramento constante, especialmente em casos envolvendo crianças. Além disso, é imperativo garantir que todos os profissionais atuantes na área estejam plenamente familiarizados com a dosagem correta a ser aplicada em situações de acidentes por picada de escorpião”, diz o relatório.
Além disso, a CPI recomenda pesquisas de conhecimento entre os membros das equipes e treinamentos periódicos, com registros de presença dos participantes e detalhamento dos temas abordados. A comissão também se preocupou, no relatório, em cobrar a realização de campanhas de divulgação e conscientização da população em relação aos protocolos de emergência para casos de picadas de escorpião.
Diante da constatação da falta de conhecimento do fluxo da unidade pela médica responsável pelo atendimento de Jamilly, a CPI ainda recomenda a adoção de um “kit de boas-vindas” para os profissionais que iniciarem a prestação de serviços, com orientações completas sobre os protocolos de atendimento, exames e medicações disponíveis.
Em relação às divergências documentais do prontuário da paciente, a comissão ainda propõe modelos de fiscalização dos registros médicos, com numeração sequencial das páginas dos prontuários, para evitar possíveis fraudes e prazos para a realização de auditoria. Outro ponto a ser corrigido é a falta de oficialização na designação dos líderes de equipes.
Mudanças implantadas – O relatório também aponta mudanças que já foram promovidas na UPA após o Caso Jamilly, como um novo protocolo de classificação de risco, juntamente com o fluxo interno exclusivo para acidentes gerados por picada de escorpião. As equipes da unidade também passaram por treinamento promovido em conjunto com a Santa Casa e Vigilância Epidemiológica, com um plano de ações educacionais permanente, além da disponibilização de um check-list para os atendimentos, inclusive com as dosagens a serem ministradas. Os fluxogramas para casos de escorpionismo foram disponibilizados nos computadores e consultórios da unidade e foi criada uma comissão interna de segurança do paciente.
Para o vereador Paulo Camolesi, a CPI trabalhou com seriedade e sempre em busca de consenso entre os membros. “Existem falhas no andamento da ocorrência e espero que a Justiça encontre algo a mais que possa esclarecer o causador de tudo isso”, colocou.
O vereador Pedro Kawai destacou que o trabalho foi minucioso. “Não podemos aceitar que aconteça um óbito por falha no serviço público”, enfatizou. “O Legislativo fez seu papel, entrevistamos pessoas, analisamos documentos e agora cabe ao Poder Judiciário e ao Executivo tomarem as providências para que fatos como esse não se repitam”.
Cássio Fala Pira lembrou que as famílias esperam uma resposta. “A UPA não tinha nem aviso de que é um ponto de atendimento de casos de picada de escorpião, os funcionários não receberam treinamento”, pontuou, entre outros fatores observados como falhas no atendimento.
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