EM PIRACICABA (SP) 27 DE JUNHO DE 2012

Em homenagem a ex-soldados do BGP, militar reencontra, após 46 anos, mulher a quem deu à luz

Porque há muito não se viam, Benedito e Maria Aparecida ––ele com um quadro na mão, ela com o marido e o casal de filhos atrás–– enfim tiveram a conversa que precis (...)




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Crédito: Gustavo Annunciato - MTB 58.557


Porque há muito não se viam, Benedito e Maria Aparecida ––ele com um quadro na mão, ela com o marido e o casal de filhos atrás–– enfim tiveram a conversa que precisou esperar quase meio século para acontecer. O que disseram ou se esqueceram de dizer ––culpa da emoção pelo momento tão aguardado–– foi acompanhado atentamente pelas mais de 200 pessoas que lotaram o salão nobre da Câmara.

Ele mantendo-se firme, ela chorando, os dois reproduziram, quase sem querer, as expressões de 46 anos atrás. No Natal de 1966, Feijão ––como era conhecido o homem que naquele ano ingressara no Corpo de Bombeiros após deixar o Exército por causa da morte da mãe–– saiu para atender a uma mulher que estava para dar à luz. Ao ver que não haveria tempo de levá-la ao hospital, Benedito fez o parto na própria ambulância, em plena rua, com o instrumento de que dispunha no momento. Ele com uma gilete, ela com o cordão umbilical cortado; ele forte como Rocha, ela nascendo no dia de Jesus.

Passadas mais de quatro décadas, Benedito Vieira da Rocha, 69 anos, e Maria Aparecida de Jesus Blanco, 45, se reencontraram na noite desta terça-feira (26), durante a reunião solene em comemoração aos 50 anos do primeiro grupo de Piracicaba a integrar o Batalhão da Guarda Presidencial, em Brasília. Resultado de uma longa apuração feita por Marcelo Oliveira, mestre de cerimônias da Câmara e cabo do Exército Brasileiro, o abraço que reaproximou o herói e a mocinha daquele 25 de dezembro de 1966 levou às lágrimas dezenas de pessoas que assistiram à sessão, organizada pelo vereador João Manoel dos Santos (PTB).

O momento ficou registrado na foto que ilustra esta matéria.

Ele surpreso, ela emocionada. Eles sorrindo.

BATALHÃO
Nascido em Tietê (SP), em 22 de abril de 1943, Benedito foi um dos 114 soldados do Tiro de Guerra de Piracicaba que se alistaram em 1962 convocados a fazer parte do batalhão. Além dele, outros 13 reservistas foram homenageados pela Câmara na cerimônia, que reuniu familiares, autoridades, aprendizes do Instituto Formar e soldados dos Tiros de Guerra de Piracicaba e Capivari.

Foram agraciados com o diploma de reconhecimento de mérito os reservistas Amaral de Almeida Alves, Antonio de Pádua Gevartoscki, Benedito Vieira da Rocha, Djalma Jorge Carpanezzi, José Antonio de Souza Neto, José David Boldrin, José Maciel Neto, José Rosa de Oliveira Filho, João José Cera, Manoel Pedro Conceição, Mario Bortoleto, Nivaldo Francisco Sturion, Oriel Denardi e Pedro Luiz Schmidt. Após a entrega dos quadros, fez-se um minuto de silêncio em memória dos soldados falecidos.

A solenidade também contou com a exibição de um vídeo com o histórico dos homenageados, produzido pelo Departamento de Comunicação da Câmara, e as execuções do hino nacional brasileiro, do hino de Piracicaba (ambos tocados pela banda do Instituto Formar), do hino do Batalhão da Guarda Presidencial e da Canção do Exército.

AMIGOS
João Manoel destacou o pioneirismo de Piracicaba em ceder soldados para ações do Exército Brasileiro. "São homens valentes, que dão a vida para verem os outros viverem bem. Resgatar a história é uma coisa que faz muito bem; marcar a história, também." O presidente da Câmara lembrou que a solenidade constitui uma oportunidade de reunir novamente, após cinco décadas, os componentes do 1º Batalhão da Guarda Presidencial. "É muito bom quando você patrocina momentos felizes na vida de alguém. O que vale na vida é, depois de 50 anos, se encontrar da maneira como vocês estão se reencontrando hoje", disse o vereador aos homenageados.

Além de João Manoel, compuseram mesa o capitão Silas Romualdo, comandante da Guarda Civil Municipal, representando o prefeito Barjas Negri (PSDB); o subtenente Marcos Antônio Sábio, instrutor-chefe do Tiro de Guerra de Capivari; o coronel Silas Barela Sendin, ex-comandante do Corpo de Bombeiros de Piracicaba; e o tenente Alexandre Garcia Vieira, comandante dos postos do Corpo de Bombeiros de Piracicaba.

O subtenente Marcos Antônio Sábio elogiou os reservistas por, ao voltarem à vida civil, terem colocado em prática o que aprenderam na caserna. "Não é porque um dia deixaram de ser soldados usando a farda é que deixaram de ser soldados: continuam lutando para fazer com que esse país cresça." O instrutor-chefe do Tiro de Guerra de Capivari afirmou que os homenageados são exemplos para os jovens que servem ao Exército hoje. "Quando os vemos relembrando uma passagem que faz 50 anos, isso é motivo de felicidade, por saber que os senhores venceram e conseguiram um local seguro. Uma vez infante, sempre infante; uma vez soldado, sempre soldado. Parabéns pela vitória que conquistaram!"

Já o capitão Silas Romualdo fez um balanço das participações de soldados do município em momentos importantes do país. "Piracicaba sempre se fez presente nos grandes momentos da história da nação. Daqui, saíram um grupo para participar da Revolução Constitucionalista de 1932, o primeiro presidente civil do Brasil e um grupo que participou da Segunda Guerra Mundial, formando nossa FEB [Força Expedicionária Brasileira]. Quando se inaugura Brasília, logo a seguir sai um grupo que vai servir no 1º Batalhão da Guarda Presidencial e mostrar o valor do povo piracicabano."

O coronel da reserva Silas Barela Sendin falou sobre a satisfação de participar da cerimônia. "Sinto-me homenageado como bombeiro, embora há algum tempo aposentado, pois tivemos a satisfação de conviver juntos em Piracicaba." O comandante do Corpo de Bombeiros de Piracicaba na época em que Benedito Vieira da Rocha fez, com uma gilete, o parto que trouxe ao mundo Maria Aparecida de Jesus Blanco, elogiou a postura do amigo. "A atitude dele de fazer um parto, hoje, no Corpo de Bombeiros, é bastante comum: todo soldado está preparado e tem treinamento, além do "kit parto" que há na viatura. Não precisa usar uma gilete para cortar o cordão umbilical da criança."

COMO FOI
Ao falar em nome dos homenageados, Pedro Luiz Schmidt, que fez parte da turma 36 do Tiro de Guerra (a atual carrega o número 02028), recordou passagens marcantes vividas pelo grupo de 1962, desde o processo de seleção em Piracicaba até os desafios enfrentados em Brasília. O relato das experiências foi facilitado pelas anotações guardadas em um diário feito nos quase 12 meses em que ele permaneceu na capital federal. "Escrevei um diário de tudo o que ocorreu do nosso embarque até o nosso retorno. Tenho lá o apelido de todos", brincou.

O reservista lembrou que causou comoção geral a convocação dos jovens piracicabanos por militares de Brasília que haviam vindo ao município justamente no dia do recrutamento para o Tiro de Guerra local. Na época com aproximadamente 70 mil habitantes, Piracicaba era uma "cidade provinciana, em que as famílias se conheciam", segundo Schmidt.

"Houve uma comoção quando fomos convidados para ir. Jornais publicaram em primeira página a convocação para servir ao Exército Nacional em Brasília. A despedida, no Mercado Municipal, foi comovente", comentou. Porém, a viagem rumo à capital federal, prevista para uma sexta-feira, só ocorreu de fato num domingo, e os jovens que já estavam em Campinas para o embarque precisaram retornar a Piracicaba.

Quando, enfim, superaram as 24 horas de estrada, os soldados se surpreenderam com a realidade que os esperava. "Estava chovendo, fazia um frio de arrepiar. O quartel ––por sinal, muito bonito–– ficava no meio do nada", lembrou Schmidt. Segundo o reservista, após o questionamento inicial ––"O que eu vim fazer aqui?"––, o grupo foi bem recebido e rapidamente se entrosou.

Das experiências vividas no BGP desde a incorporação da turma piracicabana, em 15 de janeiro de 1962, Schmidt destaca a postura adotada na recepção a pessoas importantes. "Quando vinha uma autoridade, chegávamos a ficar 3, 4 horas em forma aguardando. De vez em quando caía um, vinha o pessoal da enfermaria, tirava e vinha outro no lugar", comentou.

Por fim, o ex-soldado aconselhou os jovens que estão hoje no Tiro de Guerra. "O Exército ajuda a formar nosso caráter, a cidadania, é muito importante na nossa vida. Não deixem nunca que ultrajem o Exército. Alguns já tentaram, mas não conseguiram", afirmou Schmidt, que agradeceu a João Manoel pela iniciativa em homenagear os reservistas.

TURMA DE 1962
Os catorze soldados homenageados pela Câmara na noite desta terça-feira faziam parte de um grupo de 114 piracicabanos que formaram o Batalhão da Guarda Presidencial entre janeiro e dezembro de 1962 ––duas turmas tomavam posse por ano; a outra entrava em julho. Ao todo, o batalhão era composto por seis companhias com cerca de 110 soldados cada.

O grupo de 1962 fez a guarda do presidente João Goulart, o último a comandar o país antes do golpe militar de 1964. Todos eles têm entre 68 e 69 anos, já que para integrar o batalhão era preciso ter a idade mínima de 18 anos. Pioneira, a turma piracicabana de 1962 foi sucedida em 1963 por outros 15 soldados e, em 1964, por mais 150 ––como Piracicaba possuía uma das principais companhias do Estado de São Paulo na época, a cidade estava entre as que mais cediam soldados para Brasília.

Na próxima sexta-feira (29), uma cerimônia em Brasília marcará os 50 anos do grupo ––a comitiva de Piracicaba deve rumar à capital federal um dia antes e abrir o desfile comemorativo. No último 16 de abril, oito ex-integrantes da turma de 1962 estiveram na Câmara para convidar o presidente da Casa a participar da celebração.

 

TEXTO: Ricardo Vasques / MTB 49.918

FOTOS: Gustavo Annunciato / MTB 58.557

João Manoel Homenagem

Texto:  Ricardo Vasques - MTB 49.918

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