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Comurba, 60 anos depois da queda: uma história inacabada
Roda de conversa apresenta relatos de vítimas e testemunhas da tragédia ocorrida em 6 de novembro de 1964 e mostra que trauma ainda segue vivo na cidade
Antonio José Inácio, o Nico, lembra ainda da última vez que viu o pai. “Almoçamos juntos naquele dia”, diz, de forma contundente, em um misto de indignação e tristeza. Maria Arruda Ferraz era uma trabalhadora de apenas 12 anos e ficou por cerca de cinco horas sob escombros; ela é mais contida, porém, revela as feridas físicas e emocionais: “Tive que procurar psicólogo”. O engenheiro Cláudio José de Oliveira Campos chora ao contar a luta de sua mãe em busca de indenização.
São três histórias marcadas pelo 6 de novembro de 1964, o dia em que o Edifício Luiz de Queiroz, o popular Comurba, caiu em pleno Centro de Piracicaba, matando cerca de 50 pessoas e deixando um trauma que ainda segue nas vítimas da tragédia. “Nunca recebi indenização”, diz Nico. “Nunca ninguém veio falar comigo”, destaca Maria Arruda. “Tivemos que buscar advogado em Campinas, porque em Piracicaba ninguém queria atender as viúvas”, recorda Campos.
Os relatos destas vítimas da queda do Comurba foram algumas das testemunhas marcantes do episódio e que participaram da roda de conversa organizada pela Escola do Legislativo da Câmara Municipal de Piracicaba em parceria com o Museu Histórico e Pedagógico ‘Prudente de Moraes’, que aconteceu na tarde desta quarta-feira (6), dia em que a tragédia completou 60 anos.
“O nosso desafio aqui é trazer à história para as novas gerações, para que novos erros como os daquela época não ocorram mais”, disse vereador Pedro Kawai, diretor da Escola do Legislativo. “Sabemos que há muita dor, tristeza e traumas que ficaram da tragédia, mas é importante tudo isso ser relatado”, aponta.
A vereadora Silvia Morales (PV), do mandato coletivo “A Cidade é Sua”, destaca a aprovação do projeto de lei 180/2024, que cria “Memorial às Vítimas do Edifício Luiz de Queiroz – Comurba” a ser instalado na Praça José Bonifácio. “Esperamos que esse memorial não seja vetado e que possa fazer jus à memória das famílias que perderam seus entes queridos nesta tragédia”, disse a parlamentar.
Funcionário da Câmara Municipal de Piracicaba naquele dia, Rubens Vitti se lembra que o Comurba “era uma paisagem que eu via como se fosse na TV”, contou, ao descrever que, em sua mesa de trabalho, além da máquina de escrever, com suas pesadas teclas barulhentas, havia na sua frente uma janela em vitrô basculante, por onde, todos os dias, entre 1959 a 1964, ele via o crescimento do prédio.
“Quando ouvi aquele estrondo, que parecia um trovão, eu não acreditei que poderia ter sido o Comurba, mas depois que a poeira baixou o que vimos era parecido a um cenário de guerra”, destaca Rubens Vitti, um dos integrantes da mesa redonda organizada pela Escola do Legislativo da Câmara.
Epaminondas Ferraz é engenheiro agrônomo, especializado em fertilização de solo, e em 1964 tinha como atividade ser rádio amador. Ele recorda que Piracicaba “ficou ilhada” do mundo, porque tinha apenas quatro linhas telefônicas que foram utilizadas pelas equipes de segurança pública para pedir reforços de outras localidades. Então, a necessidade de contato da população em geral com familiares que estavam fora da cidade foi suprida pelos rádios amadores.
“Quando disseram que o ‘Edifício Luiz de Queiroz’ havia caído, muitas pessoas que tinham parentes estudando na Esalq achava que era o prédio da universidade”, lembra. Ele conta que foram montadas duas equipes de rádios amadores: uma no Centro, com equipamento de média distância, e que alcançava estados como Paraná e Goiás, e outra de longa distância, no prédio da engenharia da escola de agricultura, que chegou a levar informações para países da América do Sul, do Caribe, alguns estados do Sul dos Estados Unidos e até para regiões da Europa.
Vereador na legislatura 1964-1969, Waldemar Romano lembra da sorte que teve por ter passado apenas alguns minutos antes na rua Prudente de Moraes, exatamente na região onde o prédio desabou. Ele recorda da vinda do então governador Adhemar de Barros, que estacionou o helicóptero no antigo Estádio do XV, onde hoje é um supermercado no Centro, e foi até o local ver a tragédia.
“Não adiantou muito a vinda do governador, porque ele nos questionou porque querer subir um prédio tão alto”, disse. Ele também salientou que, na época, por conta do golpe militar, que havia sido naquele mesmo ano, em 31 de março, “havia muita censura na imprensa, muitas coisas não eram publicadas”, disse.
Bruno Didoné de Oliveira, servidor do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara, comentou sobre o material da exposição Comurba – 60 anos da queda, aberta nesta quarta-feira (6) e que segue até 6 de dezembro no Poupatempo Estadual, local onde seria o estacionamento do edifício. “Um dos fatos que vemos ali é a ajuda de funcionários de empresas e usinas da cidade no resgate”, disse.
“Hoje é um dia que não tem bolo, nem vela, só temos choro”, avalia Edson Rontani Jr., jornalista e presidente do IHGP (Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba), entidade que ao lado da Câmara, do Museu e do Centro Martha Watts se envolveram na exposição. “O nosso papel é trazer mais elementos desta história e trazer com fundamentos; a cada descoberta, vemos mais detalhes”, enfatiza.
As diversas histórias contadas na roda de conversa convergem, porém, a uma dúvida que ainda paira no ar: o que, de fato, levou à queda do Comurba?
Luis Fabreti, aos 91 anos, era funcionário do Grupo Dedini e esteve nas equipes de resgate dos corpos das vítimas e sobreviventes. “Fiquei lá por cerca de 10 dias”, disse. Ele traz alguns elementos que podem contribuir para entender o que levou à queda do Comurba. “A gente batia com as picaretas e o cimento se desfazia, parecia que era um material de baixa qualidade”, conta.
Antonio “Nico”, que almoçou com o pai naquele dia pela última vez, também dá outras pistas: “Sabíamos de histórias de pessoas que pegavam cimento de lá e para construir mansões, então, muita coisa errada aconteceu”, disse, sem entrar em mais detalhes. Ele ainda conta que, como o formato do prédio era semelhante à letra ‘s’, a primeira parte, que ficou em pé, foi bem feita; “já a segunda, não”.
Outras hipóteses também já foram aventadas, como o fato do prédio ter sido projetado para ter 10 andares, mas que por conta do sucesso nas vendas acabou tendo 14. Também há relatos de que o estopim pode ter sido o enchimento da caixa d´água, que ficava exatamente no lado que ruiu.
As hipóteses são várias, mas não há um veredito. Os diversos relatos que se cruzam com o 6 de novembro de 1964 mostram que, 60 anos depois, a queda do Comurba ainda é uma história inacabada. Ainda é uma tragédia que precisa ser contada.
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