EM PIRACICABA (SP) 13 DE MARÇO DE 2007

Mãe denuncia neglicência e possível conotação de racismo em atendimento médico

Anymary Aparecida dos Santos Nunes (35) ocupou a Tribuna Popular da Câmara de Vereadores de Piracicaba, na reunião ordinária de ontem (12/03/07), às 19h30 para rela (...)




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Crédito: Fabrice Desmonts - MTB 22.946


Anymary Aparecida dos Santos Nunes (35) ocupou a Tribuna Popular da Câmara de Vereadores de Piracicaba, na reunião ordinária de ontem (12/03/07), às 19h30 para relatar o drama familiar pela perda de seu filho de 14 anos, Murilo Nunes dos Santos, que possivelmente morreu em função da precariedade do atendimento médico no Pronto Socorro do Piracicamirim. “Meu apelo é que precisamos melhorar o SUS e evitar que casos como este aconteçam de novo. O atendimento prestado ao meu filho foi desumano”, afirmou.

Anymary Nunes (foto acima, ao lado de Joãozinho, pai de Murilo Nunes) informou que o caso foi registrado em Boletim de Ocorrência, número 644/07, 6º Distrito Policial.

A reunião da Câmara foi suspensa por cerca de 50 minutos para a fala da mãe e a discussão do tema entre os vereadores.

O presidente do Legislativo, João Manoel dos Santos (PTB), disse que a Casa “não pode se omitir diante de uma situação calamitosa”.

A consideração é que a Mesa Diretora encabeçará um movimento em Piracicaba visando a melhoria da qualidade do atendimento médico e a ampliação do número de leitos para internação.

A Mesa Diretora convocará gerentes de prontos socorros, o secretário municipal de Saúde, a Central de Vagas e representantes de hospitais para avaliar o atendimento médico em Piracicaba.


Já o primeiro secretário da Mesa Diretora, o vereador José Aparecido Longatto (PSDB) considerou que o médico não pode ficar impune. O tucano também destacou que a negligência médica também pode caracterizar ato de racismo.

Em matéria do Jornal de Piracicaba, edição de hoje (13), o jornalista Leandro Cardoso destaca o pronunciamento de Anymary na reunião camarária de ontem (12).

A constatação é que o corpo de Murilo foi enterrado às 14h de anteontem no Cemitério Parque da Ressurreição.

O médico plantonista que atendeu o estudante, Marcelo Cruz, afirmou que “todas as medidas possíveis” foram tomadas contra a doença, que evoluiu rapidamente para uma forte hemorragia pulmonar, levando a vítima à morte.

Segundo a mãe, o adolescente deu entrada no PS Piracicamirim às 6h de sábado sentindo falta de ar e foi consultado por volta das 6h30.

“Ele fez algumas perguntas, colocou o estetoscópio nas costas do meu filho com a ponta dos dedos e disse que se tratava de uma gripinha. Em nenhum momento olhou nos nossos rostos”, contou.

Logo após a consulta, o garoto recebeu soro e fez inalação. Em seguida, passou por raio-X e teve sangue coletado para hemograma.

Por volta das 10h30, foi levado da ala de observação para a sala de emergência do PS, já que não havia apresentado melhora. O médico pediu para a família comprar um antibiótico (Ceftriaxona), não disponível na unidade.

Anymary afirmou que percorreu cinco farmácias em busca da versão endovenosa, mas encontrou apenas a intramuscular –– cuja troca foi autorizada pelo profissional, segundo ela.

A partir da aplicação do medicamento (ministrado em duas injeções), o quadro clínico do estudante começou a piorar.

O padrasto de Murilo, Márcio José Dini, 31, contou que o adolescente pediu para ir ao banheiro, onde teve início a hemorragia. Levado de volta à sala de emergência, o garoto permaneceu sob os cuidados do corpo clínico da unidade por cerca de meia hora, quando foi anunciada a morte.

Conforme a família, o garoto não havia apresentado nenhum sintoma anterior, a não ser um estado febril na quinta-feira.

Ontem, o médico Marcelo Cruz, que atua há nove anos na rede municipal, afirmou ao JP que a pneumonia evoluiu rapidamente, o que é incomum para a faixa etária. “Ele teve pneumonia causada por um germe muito violento, pois os pulmões estavam seriamente comprometidos. Evoluiu em horas para hemorragia, necrose do tecido pulmonar e foi para óbito, não tivemos o que fazer.

Mas todas as medidas de suporte foram feitas”. De acordo com ele, a baixa imunidade do adolescente contribuiu para o quadro fatal. “Havia alguma doença de base que levou à baixa resistência”, explicou. O profissional descartou que o medicamento tenha dado reação no organismo do garoto.

Quanto às acusações de atendimento desumano, Cruz relatou tratar-se de uma interpretação pessoal da mãe, motivada pelo nervosismo. “É um estresse emocional grave de quem perdeu um filho. Isso é uma avaliação pessoal de quem está privado dos sentidos emocionais”.

Andréia Inácio Luz, diretora técnica do PS Piracicamirim, reforçou que foram feitos todos os esforços para preservar a vida do garoto. “O médico, tecnicamente, fez tudo o que precisava, o que estava ao alcance. Não deu tempo de nada. Foi um caso fulminante”. Quanto ao atendimento, a diretora afirmou que pode ter havido falha de comunicação. “Talvez ele (médico) tivesse sido um pouco frio no seu relacionamento com o paciente. Houve uma falha na relação médico-paciente, mas tecnicamente fez tudo o que precisava”.

O secretário municipal da Saúde, Fernando Cárdenas, informou ontem –– antes da sessão da Câmara –– que toda a documentação referente ao atendimento de Murilo já foi encaminhada para análise da comissão de ética da Pasta. Segundo ele, ainda não foi aberta sindicância interna porque a Secretaria não recebeu a reclamação formal da família. “O caso teve variáveis que precisam ser investigadas. Eu sou leigo, não dá para entrar no mérito, mas pelo que nos foi informado os procedimentos médicos estão dentro dos conformes”. 

DESABAFO

O Jornal de Piracicaba, na seção cartas também reservou espaço para manifestações populares sobre o caso. Assim, Cláudia Nunes, relata o seu descontentamento: "Venho por meio deste espaço parabenizar o médico (não citarei nome, pois com certeza será citado futuramente) pelo atendimento dado ao meu sobrinho Murilo e a sua mãe no último sábado (10/03) no Pronto-Socorro Piracicamirim. Este médico foi assunto durante todo o velório do meu sobrinho devido à falta de humanidade, generosidade, afeto, atenção para com a mãe desta criança. Vejam bem, não estou questionando a parte clínica, os procedimentos, para isso não tenho gabarito. Questiono a postura de um médico que atende um paciente sem olhar nos seus olhos, dando um diagnóstico de gripe para um menino com falta de ar evidente. Um médico que duvidou da honestidade, da moral desta criança, fazendo perguntas infundadas à mãe. Que a deixou falando sozinha no corredor, sem dar uma satisfação, sem explicar o real estado de saúde daquele filho. Enfim, ele se foi, mas acredito que esteja bem, graças a Deus. Aproveito para pedir a todos que estejam lendo este pequeno desabafo: vamos nos unir, vamos “matar essas ervas daninhas” usando a nossa cidadania, os meios de comunicação, enfim, agindo sempre com a razão, uma vez que o coração já está ferido.
Claudia Nunes - Piracicaba

EDITORIAL
 
 
O editorial do Jornal de Piracicaba, na edição de hoje (13) também registra os fatos e diz que foi preciso a morte de uma criança de 14 anos no Pronto-Socorro Piracicamirim para garantir a mobilização da Câmara de Vereadores contra o mau atendimento que os pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde) vem recebendo na rede pública de Piracicaba.

A morte de Murilo Nunes Lucas, que sonhava em ser médico, conseguiu chamar a atenção das autoridades municipais que resolveram convocar (novamente) o secretário da Saúde, Fernando Cárdenas, e convidar os responsáveis pelos prontos-socorros do município, representantes dos hospitais da cidade e da Central de Vagas para discutirem o funcionamento do sistema e encontrar uma solução para que os piracicabanos sejam atendidos com “respeito”, como disse o presidente do Legislativo, João Manoel dos Santos, na sessão realizada ontem à noite.

Os minutos que antecederam a morte de Murilo foram relatados por sua mãe, Anymary Aparecida dos Santos Nunes, na Tribuna Popular da Câmara, e sua maneira simples e serena de contar a agonia vivenciada durante as seis horas em que permaneceu, na manhã de sábado, implorando por atendimento adequado ao menino, conseguiu sensibilizar os vereadores.

Indignada com o tratamento que recebeu no PS, a mãe esperava apenas que o médico “olhasse nos olhos” do seu filho e não o tratasse de forma indiferente, como fez. Mesmo com a perda de seu menino, Anymary –– funcionária da Secretaria Estadual da Saúde há 16 anos ––, ainda acredita ser possível defender o SUS, mas não sem mobilização política e da comunidade para que a rede tenha qualidade e possa “salvar vidas com atendimento justo, humano e com respeito”.

O problema na saúde já foi reconhecido por Fernando Cárdenas, que esteve na Câmara de Vereadores no início do mês, quando defendeu a estrutura da rede e apontou o atendimento como ponto a ser corrigido. O secretário antecipou-se à intenção dos vereadores de convocá-lo para que explicasse a morte da dona-de-casa Maria de Lourdes Conceição Bassa que também morreu no Pronto-Socorro Piracicamirim, no dia 9 de fevereiro.

Neste dia, o PS tinha dois médicos e cerca de 50 pessoas na fila e a paciente ficou esperando por três horas e faleceu duas horas depois de ter sido liberada pelo médico. O caso também foi relatado no Legislativo, é investigado pelo delegado Fernando Marcos Dultra, do 6º DP (Distrito Policial) e será encaminhado para avaliação do CRM (Conselho Regional de Medicina).

O editorial do Jornal de Piracicaba também deixa claro que as reclamações contra a rede municipal não são novidades porque a imprensa local –– em especial o Jornal de Piracicaba, que recebeu várias ligações na CAL (Central de Atendimento ao Leitor) –– já relatou casos pontuais, principalmente sobre a falta de médicos, como os da semana passada nos Prontos-Socorros Vila Rezende e Vila Cristina.

Um problema que até então era considerado por algumas autoridades municipais como alarde da imprensa, criticada por relatar a dor daquele que não tem convênio médico e fica horas esperando pelo atendimento ou por um exame laboratorial, como o eletrocardiograma.

Espera-se que agora, com a morte de Murilo, o município realmente reveja os procedimentos adotados no gerenciamento da rede básica de saúde, já que há recursos para a ampliação da rede –– como será feito no PS Vila Cristina –– e este ano a Secretaria Municipal da Saúde terá um incremento de repasse do MS (Ministério da Saúde), no total de R$ 2,07 milhões no ano.

Uma verba que pode ser usada para a ampliação do número de médicos para atender a população, além de se humanizar o atendimento na saúde pública de Piracicaba.

Martim Vieira MTb 21.939
Fotos: Fabrice Desmonts MTb 22.946

Fonte pesquisa: Jornal de Piracicaba, edição 13/03/07

Legislativo João Manoel

Texto:  Martim Vieira - MTB 21.939

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