EM PIRACICABA (SP) 30 DE MARÇO DE 2006

Vereador divulga lista de mitos sobre a polêmica das Cotas para negros em universidades

Por ocasião de recente visita a Brasília, o vereador José Roberto Ferreira, o Cabo Ferreira (PL) informa que participou de reuniões temáticas, como nas discussões s (...)




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Crédito: Fabrice Desmonts - MTB 22.946


Por ocasião de recente visita a Brasília, o vereador José Roberto Ferreira, o Cabo Ferreira (PL) informa que participou de reuniões temáticas, como nas discussões sobre o sistema de Cotas para negros em universidades.

Como forma de contribuir para a discussão do tema, Cabo Ferreira se reporta ao Programa Políticas da Cor na Educação Brasileira, do Laboratório de Políticas Públicas, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

O resultado do trabalho de pesquisa é uma relação de 10 mitos sobre as Cotas, sob o ponto de vista de juristas como os Ministros do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello e Joaquim Barbosa Gomes.

01 - As Cotas ferem o princípio da igualdade, tal com o definido no artigo quinto da Constituição Federal, pelo qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. São, portanto, inconstitucionais?

Na visão, entre outros juristas, dos Ministros do STF, Marco Aurélio de Mello, Antonio Bandeira de Mello e Joaquim Barbosa Gomes, o princípio constitucional da igualdade, contido no artigo quinto, refere-se à igualdade formal de todos os cidadãos perante a lei.

A igualdade de fato é tão somente um alvo a ser atingido, devendo ser promovida, garantindo a igualdade de oportunidades, como manda o artigo terceiro, da mesma Constituição Federal.

As políticas públicas de afirmação de direitos são, portanto, constitucionais e absolutamente necessárias.

02 - As cotas subvertem o princípio do mérito acadêmico, único requisito que dever ser contemplado para o acesso à universidade?

Vivemos numa das sociedades mais injustas do pleneta, onde o mérito acadêmico é apresentado como o resultado de avaliações objetivas e não contaminadas pela profunda desigualdade social existente.

O vestibular está longe de ser uma prova equânime que classifica os alunos segundo sua inteligência. As oportunidades sociais ampliam e multiplicam as oportunidades educacionais.

Os pobres não passam no vestibular porque, sendo pobres, sempre tiveram poucas oportunidades, não porque não o merecem. Políticas públicas de reparação dessas injustiças são um imperativo ético numa democracia eletiva.

03 - As Cotas constituem uma medida inócua, porque o verdadeiro problema é a péssima qualidade do ensino público no país?

É um grande erro pensar que, no campo das políticas públicas democráticas, os avanços se produzem por etapas seqüenciais: primeiro melhorando a qualidade da educação básica, para depois democratizar a universidade.

Este é um argumento que só pode contentar aos que já tiveram a oportunidade de acesso ao ensino superior. Ambos os desafios são urgentes, e precisam ser assumidos enfaticamente, de forma simultânea.

A educação deve melhorar sua qualidade em todos os níveis, e ser mais democrática também para todos os níveis.

04 - As Cotas baixam o nível acadêmico das nossas universidades?

Diversos estudos mostram que, nas universidades onde as cotas foram implantadas, não houve perda da qualidade do ensino. Os cotistas, como todos os alunos, especialmente os mais pobres, enfrentam problemas quando as universidades não dispõem de bibliotecas bem equipadas, de laboratórios de informática, de bandejão ou de uma política de assistência que permita atender as demandas de apoio que toda boa universidade deve oferecer à comunidade estudantil.

Mas, isto diz respeito à crise das nossas universidades públicas e ao abandono a que foram submetidas historicamente pelos governos, não à impossibilidade de que os alunos e alunas cotistas possam atingir seu desempenho acadêmico igual ao de qualquer outro aluno ou aluna.

Universidades que adotaram Cotas, como a UNEB, UNB, UFBA e UERJ demonstraram que o desempenho acadêmico entre cotistas e não cotistas é o mesmo, não havendo diferenças consideráveis.

Por outro lado, como também evidenciam numerosas pesquisas, o estímulo e a motivação são fundamentais para o bom desempenho acadêmico.

É esta extraordinária força de vontade que faz com que jovens de origem muito pobre, sendo os primeiros de toda sua história familiar em entrar numa universidade, consigam ter um desempenho acadêmico de excelência nos seus estudos universitários.

As cotas melhoram a qualidade social das nossas universidades.

05 - A sociedade brasileira é contra as cotas?

Diversas pesquisas de opinião mostram que houve um progressivo e contundente reconhecimento da importância das cotas na sociedade brasileira.

Mais da metade dos reitores e reitoras da universidades federais, segundo ANDIFES, já é favorável às cotas. Pesquisas realizadas pelo Programa Políticas da Cor, na ANPED e na ANPOCS, duas das mais importantes associações científicas do Brasil, bem como em diversas universidades públicas, mostram o apoio da comunidade acadêmica às cotas, inclusive entre os professores dos cursos denominados mais competitivos como medicina, direito e engenharia.

Alguns meios de comunicação e alguns jornalistas têm fustigado as políticas afirmativas e, particularmente, as cotas. Mas, isso não significa, obviamente, que a sociedade brasileira as rejeita.

06 - As cotas não podem incluir critérios raciais ou étnicos devido ao alto grau de miscigenação da sociedade brasileira, que impossibilita distinguir quem é negro ou branco na país?

Somos, sem dúvida nenhuma, uma sociedade mestiça, mas o valor dessa mestiçagem é meramente retórico no Brasil. Na cotidianidade, as pessoas são discriminadas pela sua cor, sua etnia, sua origem, seu sotaque, seu texto e sua opção sexual.

Quando se trata de fazer uma política pública de afirmação de direitos, nossa cor magicamente se desmancha. Mas, quando pretendemos obter um emprego, uma vaga na universidade ou, simplesmente, não ser constrangidos por arbitrariedades de todo tipo, nossa cor torna-se um fator crucial para a vantagem de alguns e desvantagens de outros.

A população negra é discriminada porque grande parte dela é pobre, mas também pela cor da sua pele. No Brasil, quase a metade da população é negra. E, grande parte dela é pobre, discriminada e excluída. Isto não é uma mera coincidência.

07 - As cotas vão favorecer os negros e discriminar ainda mais os brancos pobres?

Esta é, quiçá, uma das mais perversas falácias contra as Cotas. O projeto tramitado na Câmara dos Deputados, PL 73/99, já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, favorece os alunos e alunas oriundos das escolas públicas, colocando como requisito uma representatividade racial e étnica equivalente à existente na região onde está situada cada universidade.

Trata-se de uma criativa proposta onde se combinam os critérios sociais, raciais e étnicos. É curioso que setores, que nunca defenderam o interesse dos setores populares ataquem as Cotas porque agora, segundo dizem, os pobres perderão oportunidades que nunca lhes foram oferecidas.

O projeto de Lei 73/99 é um avanço fundamental na construção da justiça social no País e na luta contra a discriminação social, racial e étnica.

08 - As Cotas são inúteis porque o problema não é o acesso, senão a permanência?

Mas uma vez, o pensamento dicotômico obscurece mais do que ajuda à formulação de uma política democrática. Cotas e estratégias efetivas de permanência fazem parte de uma mesma política pública.

Não se trata de fazer uma ou outra, senão ambas. Não se trata de fazer uma escolha entre elas, senão de pensá-las juntas. As cotas não solucionam todos os problemas da universidade, são apenas uma ferramenta eficaz na democratização das oportunidades de acesso ao ensino superior para um amplo setor excluído da sociedade.

É evidente que as Cotas, sem uma política de permanência, correm riscos de não atingir sua meta democrática. Porém, isto não faz senão reafirmar a importância de uma reforma mais ampla do ensino superior brasileiro, onde qualidade e quantidade não sejam colocados como dinâmicas contraditórias ou contrapostas; onde excelência e privilégio sejam termos contrapostos e não, como sempre foram, componentes de uma mesma prática discriminatória.

Mais e melhores universidades públicas para todos e todas. Esse deveria ser o nosso lema; nosso compromisso ético e político.

10 - As Cotas são prejudiais para os próprios negros, já que os estigmatizam como sendo incompetentes e não merecedores do lugar que ocupam nas universidades?

Argumentações deste tipo não são freqüentes, entre a população negra e, menos ainda, entre os alunos e alunas cotistas. As Cotas são consideradas por eles, como uma vitória democrática, não como uma derrota na sua alto-estima.

Ser cotista é hoje, um orgulho para estes alunos e alunas.

Porque, nessa condição, há um passado de lutas, de sofrimento, de derrotas e, também, de conquistas.

Há um compromisso assumido. Há um direito realizado. Hoje, como no passado, os grupos excluídos e discriminados sentem mais e não menos reconhecidos socialmente quando seus direitos são afirmados, quando a lei cria condições efetivas para lutar contra as diversas formas de segregação.

A multiplicação, nas nossas universidades, de alunos e alunas pobres, de jovens negros e negras, de filhos e filhas das mais diversas comunidades indígenas é um orgulho para todos eles. E, deveria sê-lo para todos os brasileiros e brasileiras de boa vontade.

Martim Vieira MTB 21.939
Foto: Fabrice Desmonts MTB 22.946
Legislativo José Pedro

Texto:  Martim Vieira - MTB 21.939

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