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Achados: autoridades enaltecidas pela tomada do poder pelos militares
Ofícios e requerimentos preservados na Câmara Municipal de Piracicaba registram posição favorável à deposição do ex-presidente João Goulart
Lincoln Gordon (à esq.) ao lado do presidente João Goulart: requerimento da Câmara chegou a convidar embaixador para uma visita oficial a Piracicaba. Créditos: Wikimedia Commons
As autoridades que foram protagonistas pela tomada do poder pelos militares em 31 de Março de 1964 foram enaltecidas pela Câmara Municipal de Piracicaba. Na quarta reportagem da série ‘Achados do Arquivo – Especial’, em que o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo e o Departamento de Comunicação Social retomam a conjuntura local diante dos fatos que culminaram com o golpe cívico-militar, é destacada a troca de mensagens entre vereadores e lideranças nacionais da época.
Diferente de agosto 1961, logo após a renúncia de Jânio de Quadros, quando ainda havia na Câmara um consenso maior em torno do “atendimento à Constituição”, o que representaria a posse de João Goulart, em março de 1964 o clima já era outro. A deposição do presidente já havia sido amplamente debatida no Legislativo piracicabano e com um apoio maior entre os integrantes da Casa de Leis.
Com uma ampla maioria favorável à queda de Jango e o estabelecimento dos militares no poder, a Câmara Municipal de Piracicaba emitiu diversos requerimentos em apoio às autoridades nacionais, algumas delas protagonistas do Golpe de 1964, como o general Olímpio Mourão Filho e o embaixador estadunidense Lincoln Gordon, assim como políticos importantes, como os governadores Adhemar de Barros (São Paulo), Carlos Lacerda (Estado da Guanabara) e Magalhães Pinto (Minas Gerais).
Os documentos foram votados e aprovados durante a reunião ordinária de 6 de abril de 1964, portanto, alguns dias depois da tomada do poder pelos militares. Naquela ocasião, os trabalhos legislativos foram presididos por Lázaro Pinto Sampaio.
A maior parte dos documentos foram de “voto de louvor” ou “voto de aplauso”, como o 75/1964, do vereador José Luiz Guidotti, que destaca a posição em “repúdio ao comunismo”; o 78/1964, de Jaime Pereira, onde enaltece “atitudes desassombradas assumidas por essas autoridades na crise que abalou o País, culminando com a vitória das forças democráticas"; e os 79 e 80, ambos de Antonio Sallum, “que congratula pela brilhante vitória, livrando-se do jugo do Comunismo Internacional”.
No requerimento 76/1964, o vereador Elias Jorge encaminha à Câmara Federal e ao Senado uma moção de apelo. “É absolutamente necessário e definitivamente irreversível que aqueles poderes tomem as seguintes providências”, escreve.
Em seis tópicos, ele sugere a “escolha imediata de um presidente apolítico, honesto e capaz”; “a licença para que todos os deputados pró e comunistas sejam processados de acordo com a lei”; a formação de uma comissão de inquérito para “levantar a vida de todos os grupos econômicos do País” e para “levantar a vida dos sindicatos e organizações congêneres, como jornais esquerdistas”; “punição real e exemplar para todos os causadores da infelicidade que reina hoje no Brasil” e que comecem “a trabalhar com dinamismo a fim de resolver, definitivamente, nossos problemas e voltar a merecer do povo o respeito e a confiança que lhes são devidos”.
Já o requerimento 77/1964, também do vereador Elias Jorge, o destinatário é o arcebispo do Rio de Janeiro, Jayme de Barros Câmara. Na justificativa, o parlamentar lembra que no momento em que militares e civis recebem “mais calorosas e extremadas manifestações e homenagens”, não se poderia deixar de estender igualmente à Igreja Católica “o seu reconhecimento, carinho, respeito e admiração”.
Mais tarde, na reunião ordinária de 23 de setembro, a Câmara aprova o requerimento 279/1964, também de Elias Jorge. Desta vez, o destinatário é o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, o principal articulador do Golpe de 1964 junto à Casa Branca – na ocasião sob a presidência de Lyndon Johnson.
O requerimento é um convite ao embaixador para que visite Piracicaba. Na justificativa, o vereador enaltece “o constante carinho” com que o Governo dos Estados Unidos “trata das boas e fraternais relações com o nosso país” e coloca, ainda, o nome do embaixador como “um nome que vem marcando sua presença generosa através das justas e dignas soluções dadas a todos os problemas que se apresentaram”, escreve, ao citar o nome de Lincoln Gordon.
“Tem sido fácil notar que desde que assumiu o cargo, o diplomata jamais aceitou a condição de simples representante de seu país. O senhor Gordon tem sido um legítimo e justo mediador entre os altos interesses de ambas as nações”, escreve Elias Jorge.
ENCAMINHAMENTOS – Os requerimentos foram enviados às lideranças para as quais eles foram apresentados. Os ofícios assinados pelo presidente da Câmara, Lázaro Pinto Sampaio, encaminham os documentos ao governador de São Paulo, Adhemar de Barros; ao governador da Guanabara, Carlos Lacerda; ao governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto; Ney Braga, governador do Paraná; Ildo Meneguetti, governador do Rio Grande do Sul; ao presidente do Senado Federal, Auro de Moura Andrade; ao presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli; ao general Amaury Kruel, comandante da 2ª Região Militar do Estado de São Paulo; e a Olímpio Mourão Filho, comandante do 4ª Região Militar, sediada em Minas Gerais.
RESPOSTAS – Também preservados pelo Setor de Gestão de Arquivo e Documentação estão os telegramas de respostas aos vereadores, todos eles assinados a próprio punho pelas autoridades, entre eles os governadores Magalhães Pinto, Carlos Lacerda, Ney Praga e Adhemar de Barros, o general Hamilton Mourão Filho, o arcebispo Jayme de Barros Câmara, e o presidente da Câmara Federal, Ranieri Mazzili.
Já o telegrama do embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon, que também assinou de próprio punho, destaca a “grata satisfação de acusar o recebimento do ofício”, incluindo o destaque ao autor do documento, vereador Elias Jorge. O representante da Casa Branca lembra que seria “motivo de honra e prazer” aceitar o “amável convite” para visitar em caráter oficial a cidade, “no entanto”, acrescenta, “devido aos numerosos compromissos já constantes em minha agenda, terei de aguardar que se apresente uma oportunidade em data futura”. (Pesquisa: Bruno Didoné de Oliveira, do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo)
ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" reúne publicações de documentos do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Casa de Leis.
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