
Fotos de ações legislativas revelam mudanças urbanas de Piracicaba
Nesta semana, a série Achados do Arquivo recorda a história de Tércio Zem, uma espécie de ‘Dom Quixote de Piracicaba’
“A liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos dons que os homens receberam dos céus. Com ela não podem igualar-se os tesouros que a terra encerra nem que o mar cobre; pela liberdade, se pode e deve aventurar a vida, e, pelo contrário, o cativeiro é o maior mal que pôde vir aos homens”. (Dom Quixote de La Mancha, na obra “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes)
Numa das obras literárias mais significativas de todos os tempos, “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes, o protagonista, num determinado momento de sua vida, após ler livros de cavalaria, “perde o juízo” e começa a agir como se ele, um simples camponês da região de La Mancha, na Espanha, fosse um grande cavaleiro medieval, destinado a consertar as injustiças do mundo.
Como a arte imita a vida e a vida imita a arte, constantemente surgem pessoas com as características típicas do famoso personagem; caraterísticas que são advindas, em linhas gerais, por uma forma particular em enxergar a existência.
Nesta semana, a série Achados do Arquivo celebra o Dia da Pessoa com Síndrome de Down, lembrado nesta sexta-feira (21), e recorda a história de Tércio Zem, uma espécie de ‘Dom Quixote de Piracicaba’, que por décadas frequentou os meios políticos da cidade e deixou legado de empatia e inclusão.
Na obra clássica da literatura, Alonso Quijano produz armadura com elmo, espada e escudo a partir de latarias, utensílios domésticos e relíquias de família, assim como transforma um pangaré abandonado num terreno baldio em Rocinante, uma espécie de cavalo mágico, próprio de um grande cavaleiro medieval, se investindo na categoria de cavaleiro andante.
Torna-se o engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha e sai pelo mundo vivendo situações que seus olhos enxergavam como grandes feitos, grandes façanhas. Luta contra dragões, que são nada mais que moinhos de vento. Combate um exército inimigo, que é apenas um rebanho de ovelhas. Se hospeda num imenso castelo, que na verdade é uma simples pensão.
O DOM QUIXOTE DE PIRACICABA - Em Piracicaba, em 23 de fevereiro de 1966, nascia Tércio César Zem, uma pessoa com Síndrome de Down que frequentou, até os 11 anos, o Centro de Reabilitação de Piracicaba (CRP).
Inquieto e curioso, Tércio tinha ânsia de conhecer o que existia para além das dependências do Centro de Reabilitação e resolveu que não iria mais frequentar o espaço. E também não queria ficar em casa o dia todo. Comunicativo e apaixonado por política, decidiu que era nesse meio que iria atuar.
Pelas décadas de 1980, 1990 e 2000, sua rotina foi dedicada a esse ramo. Acordava cedo, vestia camisa, gravata e paletó e se dirigia até a Prefeitura ou à Câmara, onde sempre tinha uma mesa à sua espera. Ali, em sua estação de trabalho, depositava a pasta, organizava papéis e despachava documentos.
Era comum os servidores da Prefeitura lhe entregarem papéis e solicitarem que fosse até a Câmara resolver tais pendências e vice-versa. Tércio tinha entrada livre em secretarias municipais, gabinetes parlamentares e departamentos. Sempre bem recebido, entrava, ficava um tempo e saía para outro compromisso, num eterno realizar de tarefas e atribuições na administração.
Frequentador assíduo dos meios políticos, não faltava a um evento – principalmente do então PMDB, partido de sua preferência. Tinha enorme admiração por alguns nomes da política piracicabana que, num momento ou noutro, ocuparam uma cadeira na Câmara, como Walter Ferreira da Silva, o Pira, Nelson Corder, Toninho Faganello e Roberto Morais.
O contato com esses vereadores era constante. Mas Tércio também mantinha relações com prefeitos e tinha entrada em esferas mais altas, como governadores de estado. O Acervo Histórico da Câmara Municipal conta com imagens que retratam momentos de Tércio em diversas ocasiões.
Pela sensibilidade dos fotógrafos Davi Negri e Fabrice Desmonts, Tércio é retratado em eventos repletos de autoridades e em festas para comemorar seu aniversário, promovidas por vereadores, assessores e servidores da Câmara.
Imagens das cerimônias de inauguração da Cadeia 9, atual Centro de Detenção Provisória (CDP), e da Escola Estadual de Primeiro Grau (E.E.P.G.) Eduir Benedicto Scarpari, ambas em 1995, retratam Tércio Zem junto a diversas personalidades políticas. Literalmente ao lado dessas autoridades, dividindo, com elas, o espaço a elas destinado, o chamado dispositivo de honra.
Nas fotos, vê-se: Luiz Antônio Fleury Filho e Mário Covas, então governadores do Estado de São Paulo, em 1993 e 1995, respectivamente; Antônio Carlos de Mendes Thame, então prefeito de Piracicaba; Barjas Negri, então secretário-executivo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); Luiz Roberto Pianelli - Beto Pianelli, então secretário municipal de Esporte, Turismo e Lazer; Roberto Morais, Ademar do Carmo Luciano Junior, Luiz Eduardo Pereira e Nelson Corder, vereadores à época; e, claro, Tércio César Zem.
Os registros fotográficos de dois de seus aniversários, em 1994 e 1996, mostram Tércio recebendo o carinho de seus pais, familiares e de muitos amigos que fez ao longo de sua trajetória na Câmara e na Prefeitura. Amigos que eram pessoas historicamente ligadas à política piracicabana, seja como vereadores, secretários municipais, diretores e assessores.
Prestigiando o aniversariante, além dos familiares, estavam: Walter Ferreira da Silva, o Pira, político do PMDB e futuro vereador; os vereadores Laerte Zitelli, Luiz Eduardo Pereira, Nelson Corder, José Aparecido Longatto, e Esther Sylvestre da Rocha; Mauro Rontani, assessor jurídico da Câmara, e José Severo dos Santos, assessor parlamentar. As fotos registram a presença de outras pessoas, possivelmente pertencentes ao corpo de assessoria da Casa à época.
Quando se fala em “sensibilidade das lentes” dos fotógrafos, fala-se sobre o olhar sensível que ambos tiveram nessas ocasiões, seja registrando a presença de Tércio junto às autoridades, quando poderiam tentar “escondê-lo” nas imagens, seja se dando ao trabalho de empunhar a máquina fotográfica e se dirigir ao Hall do Salão Nobre somente para registrar um momento que, objetivamente, não tinha nada a ver com os trabalhos atinentes à Câmara. Davi Negri e Fabrice Desmonts, distanciando-se da frieza típica da objetividade, aconchegaram-se no tépido remanso da alma de onde brotam dois dos mais nobres sentimentos do que é ser humano: empatia e inclusão.
Tércio César Zem faleceu, aos 41 anos, em 28 de janeiro de 2008, por complicações decorrentes de uma cardiopatia congênita. Foi velado na Câmara, o lugar que mais gostava de frequentar, cujo Acervo Histórico hoje guarda a memória daquele em que a pureza de espírito iluminava o ambiente.
INCLUSÃO E EMPATIA – Piracicaba tem outras histórias semelhantes de inclusão e empatia. Uma delas é a de Felix do Amaral Mello Bonilha, nascido em 1863. Em Piracicaba, no ano de 1863, nasceu Felix do Amaral Mello Bonilha. Felix estudou nos melhores colégios da cidade, falava francês e chegou a lecionar esse idioma. Gostava de caçar e, numa de suas incursões pelo mato, foi atingido por um raio. Após esse incidente, não voltou a ser o mesmo. Vagava pela cidade e, ao se deparar com uma pedra no chão, a pegava, examinava e guardava no bolso, julgando ser um diamante, uma joia rara, uma pedra preciosa. Já conhecido como Nhô Lica, dizia ser milionário, depositava suas pedras-diamantes no Banco Commercial, e afirmava, solenemente, ter saldado a dívida externa do Brasil.
O gerente do banco, Gustavo Bueno, recebia Nhô Lica com todo o respeito e colocava suas pedras numa caixa especial. Nas missas da Catedral de Santo Antônio, na hora do ofertório, Nhô Lica contribuía com suas preciosas pedras, as quais Monsenhor Rosa guardava zelosamente, ao invés de descartar. Quando do falecimento de Nhô Lica, em junho de 1954, Monsenhor Rosa, que era vigário da Catedral então em reformas, pegou as pedras que Nhô Lica havia ofertado nas missas e, num ato delicado, sensível, colocou-as no piso da igreja.
***
Nesta ótica de inclusão e empatia, peço licença para um relato pessoal. Minha irmã, Melina, falecida em 2018, que também era uma pessoa com deficiência. Ela tinha agenesia do corpo caloso. Bastante esperta e comunicativa, gostava muito de telefones celulares, smartphones e tablets. Ficava feliz quando entregávamos a ela “créditos de celular”, que na verdade eram recibos de supermercados onde escrevíamos “créditos para a Melina”.
Ela, sob a ingenuidade e a pureza pelas quais enxergava o mundo, acreditava que aqueles pedaços de papel eram sim créditos de celular. E com isso se alegrava, pegava o telefone e ligava para familiares e amigos para, contente, contar do presente e conversar sobre os assuntos que eram de seu gosto.
O traço em comum entre Nhô Lica, Tércio e Melina é que as pessoas ao redor participavam dos mundos criados pelos três. E, ao participar, ajudavam na construção de um universo ficcional e ao mesmo tempo profundamente real.
Voltando a Dom Quixote, pode-se dizer que, ao ficar “louco” e começar a ver a realidade com as lentes do fantástico, ele tenha se curado da melancolia, da vida cinzenta e de uma perspectiva de mundo em que o senso comum definia, de maneira estreita, quais eram os elementos característicos da realidade.
Dom Quixote desafia a se pensar a realidade em uma perspectiva mais ampla. Nesta perspectiva, é necessário que também nos curemos, que tomemos a liberdade de sermos Dom Quixote, Nhô Lica, Tércio e Melina. Só assim nos libertaremos da razão estreita, da razão que pensa a realidade apenas do ponto de vista daquilo que podemos tocar ou daquilo que a razão pode explicar.
Talvez os moinhos de vento sejam mesmo dragões, as pedras da rua sejam mesmo preciosas. Talvez sejamos capazes de, assim como Tércio, em nossas mesas, com nossos papéis, mudar o mundo. Talvez um pedaço de papel contenha, sim, incontáveis créditos. Talvez, libertos de preconceitos que nos turvam a visão, possamos enxergar e compreender que a verdadeira deficiência não está nas ditas “pessoas com deficiência”. Talvez, conduzidos por essa forma livre, pura e simples de existir, nos tornemos mais humanos.
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