EM PIRACICABA (SP) 16 DE ABRIL DE 2024

Pichações comunistas e marcha conservadora: o tom da política em 1964

Documentos preservados na Câmara mostram como a conjuntura do regime militar se expressava no dia a dia do trabalho dos vereadores na época




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Movimento de Arregimentação Feminina convidou o presidente da Câmara para participar de reunião que organizaria a Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade na cidade, em 1964




No dia a dia do trabalho legislativo, ofícios e requerimentos são parte fundamental da atuação dos parlamentares. Assim, toda propositura é também um registro para a posteridade. Em 1964 – ano em que os militares tomaram o poder no Brasil –, foram protocolados inúmeros documentos referentes à conjuntura política nacional. Sessenta anos depois, essa miríade de intervenções demonstra o clima e o tom dos debates travados naquela época. 

A série Achados do Arquivo – Especial, que marca os 60 anos do Golpe Militar no Brasil, destaca nesta terceira matéria alguns destes requerimentos que envolvem desde críticas a pichações com teor comunista em muros da cidade, passando por convites para a Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade, e também destacando o apoio da Câmara ao “Manifesto dos Generais”.

16 de Março de 1964. Cerca de 15 dias antes do Golpe de 1964, o vereador Milton Camargo protocolou o requerimento 46/1964, onde requer que a Câmara registre em ata o “nosso protesto” pela “indiferença daqueles que deviam zelar pela ordem e segurança pública e não o fazem e vivem no indiferentismo”, destaca o parlamentar. 

Ele informa no documento que de “sábado para domingo” diversos muros da cidade apareceram estampados com a “foice e o martelo” com o ano de 1965 abaixo. Na análise de Milton Camargo, esse trabalho faz parte do jogo comunista “que está aproveitando da confusão reinante em todos os quadrantes do país para iniciar a sua propaganda de ressurgimento como partido político dentro da legalidade”. 

No mesmo requerimento, o vereador informa que o muro do Lar Escola “Coração de Maria Nossa Mãe” (rua São Francisco de Assis) foi “desrespeitado” pelos adeptos do comunismo e “lá rabiscaram também a foice e o martelo”. Ele ainda questiona no documento: “Será que esses indivíduos não tem o mínimo de educação política procedendo dessa maneira torpe e ridícula, num muro pertencente à Ordem Franciscana, que é dirigido pelas meigas e santas irmãs do Sagrado Coração de Maria”.

23 de Março de 1964. No requerimento 57/1964, o vereador Elias Jorge lembra do “gravíssimo momento em que vive nossa Pátria, exposta à beira do caos”, considera que o “este Poder Legislativo não pode nem deve manter-se alheio ao movimento que os patrióticos encetam” e requer que se faça constar nos “anais deste poder, o manifesto dos generais brasileiros”.

Aprovado pelo plenário, o requerimento registra no acervo da Câmara o artigo publicado “em toda a imprensa livre”, como classifica Elias Jorge, o texto “Manifesto de generais: o presidente não defende, mas ofende a Constituição”, onde são tecidas críticas ao então presidente João Goulart e pede que as “sentinelas permaneçam alertas” diante do “facinoroso comício” – em referência ao discurso de Jango na Central do Brasil, em 13 de Março.

30 de Março de 1964. Endereçado ao “Ilmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Piracicaba” – naquele momento, ainda sob a gestão do vereador Lázaro Pinto Sampaio –, as representantes do Movimento de Arregimentação Feminina convidam o parlamentar para participar da “reunião preparatória onde serão discutidos os planos para a realização do nosso desfile”.

No documento assinado pela diretora Lourdes Sousa e a 1ª-secretária, Célia dos Santos Rodrigues, a justificativa é que “as mulheres piracicabanas também estão empenhadas em manifestar publicamente os seus sentimentos patrióticos realizando em nossa cidade a passeata da Família, com Deus, pela Liberdade.”

30 de Março de 1964. No mesmo dia, um requerimento do vereador Assib Elias Maique solicita que a Câmara oficie ao Sr. Presidente do Centro Acadêmico “Luiz de Queiroz” (Calq), “congratulando com a medida unânime adotada por aquela diretoria, ao repudiar os ideais antagônicos e subversivos ao nosso regime democrático, manifestado por um dos seus associados”. Embora a propositura não detalhe o caso, ele pontua que a decisão ocorreu “conforme provas sobejas encontradas em seu poder e a sua exclusão do quadro social”.

22 de Abril de 1964. Na reunião ordinária deste dia, a Câmara aprovou um manifesto de apoio às “reformas de base” – que haviam sido propostas pelo então presidente João Goulart – mas “dentro dos magnos princípios cristãos e democráticos, sem jamais ferir a livre iniciativa, a soberania nacional e liberdade humanas”. O documento foi protocolado pelos vereadores Assib Elias Maique, Milton de Camargo, Mario Stolf, Cicero Usberti e Arthur Domingues da Motta.

Há muitos aspectos curiosos neste texto. Primeiro de que, inicialmente, acusa “aqueles que tentaram contra a soberania da Pátria” – em referência ao ex-presidente João Goulart –, o qual teria a intenção de fazer do País um “satélite de Moscou (capital da então União Soviética) ou de Pequim (capital da China que, uma década e meia também havia logrado uma revolução popular).

Ao mesmo tempo, o manifesto entende a urgência das chamadas reformas de base no Brasil – “existe um anelo de produzir estas mudanças o quanto antes possível” – e que elas seriam imprescindíveis ao País – “somente as reformas de base poderão satisfazer as aspirações de todos os brasileiros, transformando a vida social política e econômica da nação. Mas salienta que a Câmara defende que as reformas sejam “em termos cristãos” e dentro do “regime democrático”.

O manifesto conclui ao dizer que confia plenamente no “alto espírito cívico” do então presidente, marechal Castelo Branco – o primeiro, entre os militares da época, a assumir o posto de chefe do Executivo federal – “afirmando que entre os objetivos de seu governo está a restauração das condições de vida do povo”.

28 de Abril de 1964. Quase um mês depois da congratulação ao Calq, novamente a Câmara se manifesta em favor da diretoria do centro acadêmico. Desta vez, o vereador Elias Jorge considera “grande serviço à Democracia” o fato de que o Calq havia apresentado “em praça pública” produções cinematográficas que trata “dessa grande desgraça do século que é o comunismo”. No requerimento 112/1964, reitera que o filme teve “grande repercussão, principalmente nas classes trabalhadoras”, salienta, “que desconheciam quase que por completo as atrocidades da ditadura vermelha”.

12 de Maio de 1964. O vereador Milton Camargo protocola o requerimento 132/1964 em que denomina como “Manifesto da Câmara Municipal de Piracicaba em favor dos presos de Castro”, em referência aos presos pela revolução comandada por Fidel Castro lograda anos antes, em 1959, em Cuba.

“Requeremos que a Câmara remeta o seguinte manifesto em favor dos presos de Fidel Castro, enviando à direção do jornal “Estado de São Paulo, que teve a iniciativa da Campanha de Apelo ao 1º-Ministro de Cuba para que “trate de maneira mais humana seus adversários políticos”.

No documento, o parlamentar cita relatório da Comissão de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) em que “denuncia atrocidades do regime de Fidel Castro, que tem infelicitado (...) inumeráveis ocorrências desastrosas” e manifesta “apoio incondicional à campanha do jornal Estadão”.

60 anos depois. A releitura dos requerimentos dos idos de 1964 possibilita ver um pouco do cenário político durante um fato crucial para a História recente do País. Todo esse conteúdo só é possível devido ao cuidado, ao longo dos anos, de servidores que atuaram para preservar os documentos da Casa, trabalho hoje sob a responsabilidade do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo.

“Os arquivos foram encontrados graças ao excelente trabalho feito há muitos anos, porque estavam bem preservados, digitalizados e disponíveis para pesquisa”, explica o servidor Bruno Didoné de Oliveira, que atua no Setor de Gestão de Documentação e Arquivo. “Mas preservação do documento também significa a possibilidade de disponibilizar para que o público em geral tenha acesso a esse rico acervo que temos na Câmara”, conclui.

ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" reúne publicações de documentos do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Casa de Leis.

Achados do Arquivo Documentação

Texto:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Supervisão de Texto e Fotografia: Rebeca Paroli Makhoul - MTB 25.992

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