EM PIRACICABA (SP) 18 DE NOVEMBRO DE 2022

Em 1962, Câmara enaltecia vitória do Brasil na Copa e temia comunismo

Ata de reunião ordinária mostra que vereadores, ao mesmo tempo em que comemoravam o bicampeonato da seleção, alertavam a população sobre “perigos do comunismo”




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Livreto especial da Copa do Mundo de 1962, lançado pela Editora Aquarela / Créditos: Gráfica Editora Aquarela S/A




O ano era 1962. O mundo acompanhava, assustado, a escalada da Guerra Fria, que, desde o final da década de 40, no recente pós-guerra, dividiu o planeta ideologicamente em dois blocos, um alinhado ao capitalismo e outro ao socialismo. Em outubro, aviões-espiões dos Estados Unidos verificaram a implantação de mísseis nucleares em Cuba, membro do “bloco rival”, em resposta à instalação de mísseis na Turquia, Inglaterra e Itália. A tensão crescente entre as potências se materializava, e o planeta temia uma guerra nuclear.

Ao mesmo tempo, era o começo de uma década que prometia trazer mudanças nas diretrizes políticas de países ocidentais – como nos Estados Unidos, onde o jovem presidente John F. Kennedy balizava seu governo sobre princípios como a justiça social e a ampliação de direitos civis.

Começavam a dar as caras formas de pensamento e atitudes que iriam gerar transformações comportamentais e culturais profundas, cujas reverberações são sentidas até os dias de hoje. Nos anos 60, surgiriam os hippies – protestando a favor da paz, no contexto da Guerra do Vietnã, uma das chamadas “guerras de procuração” ocorridas na Guerra Fria – e a contracultura – composta por movimentos de cultura marginal e de contestação social. Durante a década ganhariam espaço, ainda, a chamada “revolução sexual” – a partir do surgimento da pílula anticoncepcional – e a luta por direitos encabeçada pelos movimentos feministas e homossexuais.

Enquanto isso, no Brasil, o presidente era João Goulart, que assumiu o cargo depois da renúncia, em agosto de 1961, do caricato Jânio Quadros, responsável por um governo curto e turbulento. Jango, como Goulart era conhecido, tornou-se o chefe de Estado, mas não o chefe de Governo: com a renúncia de Jânio Quadros, o Brasil adotou o parlamentarismo, num acordo político feito para garantir a posse de João Goulart, evitando uma possível guerra civil, uma vez que, a princípio, os militares vetaram sua posse.

Goulart, historicamente ligado ao trabalhismo e defensor de reformas de base voltadas à melhoria das condições dos menos favorecidos, era visto pelos setores conservadores como um político esquerdista. Menos de dois anos depois de sua posse, numa complexa conjuntura política, Jango seria apeado da presidência por um golpe civil-militar, apoiado pela parcela reacionária da população, que temia que as reformas propostas por Goulart “levassem o país ao comunismo”.

Retornando a 62, no Chile, entre 30 de maio e 17 de junho, acontecia a Copa do Mundo de futebol. A Seleção Brasileira praticamente manteve a base campeã em 1958. Do time da Copa anterior, só duas alterações na formação: a dupla de zaga Mauro e Zózimo nos lugares de Orlando e Bellini. E também Amarildo, que substituiu ninguém menos que Pelé, o Rei do Futebol, contundido já na segunda partida da campanha. O comando do time também mudou, de Vicente Feola para Aymoré Moreira.

A contusão de Pelé fez com que Garrincha assumisse, sozinho, o protagonismo de uma talentosa equipe que contava com nomes já consagrados como Zagallo, Didi, Zito, Djalma Santos e outros.

A campanha do Brasil contou com 5 vitórias – contra México, Espanha, Inglaterra, Chile e, na final, Tchecoslováquia, seleção com a qual havia empatado na segunda rodada. Na partida decisiva, realizada em Santiago, o Brasil entrou favorito, mesmo sem Pelé, mas o adversário saiu na frente, com gol de Masopust aos 15 minutos do primeiro tempo. 

Logo depois, em dois minutos, a seleção canarinho empatou com Amarildo que, aos 24 do segundo tempo, assistiu Zito, que marcou o segundo gol brasileiro. Aos 33, Vavá marcou o terceiro. Fechando o placar em 3 a 1, o Brasil garantia o bicampeonato mundial.

Na segunda-feira, 18 de junho, a Câmara Municipal de Piracicaba realizava, às 13h30, sua 19ª reunião ordinária. O clima, em Piracicaba – como não poderia ser diferente –, refletia os infundados temores que afligiam certas parcelas da população.

Como comprova a ata da sessão, sob a guarda do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Casa de Leis, os parlamentares discorriam sobre a conquista da seleção ao mesmo tempo em que alertavam quanto aos “perigos do comunismo”, numa desinformada confusão envolvendo a acepção original do que é o comunismo, o social real então existente em alguns países e o medo do que reformas sociais inclusivas poderiam proporcionar.

Durante a sessão, ao fazer uso da palavra, o vereador José Eduardo de Carvalho parabenizou o time de futebol pela vitória e, segundo o registro em ata, “disse de sua preocupação em tomar conhecimento da existência de infiltração das ideias exóticas e antidemocráticas do comunismo nos meios sindicais e classes operárias”, pregando um sindicato que zelasse pela “liberdade dos trabalhadores” e lutasse contra a “infiltração comunista”.

O vereador Jorge Antonio Angeli, por sua vez, dentre outros assuntos abordados, “hipotecou seu voto ao júbilo pela conquista obtida pela seleção nacional de futebol”.

Em meio a discursos de outros oradores, o parlamentar Oscar Manoel Schiavon também congratulou o time brasileiro e referiu-se, de forma crítica, à fala de Carvalho, propondo a compreensão como saída.

“(O vereador) declarou discordar das observações do vereador José E. de Carvalho sobre infiltração comunista no Brasil, achando que não seriam credos religiosos que salvariam o país do comunismo, mas sim um clima de mais compreensão das classes abastadas para com os pobres, dos patrões para com os seus empregados, dos capitalistas para com o trabalho” (em transcrição livre)

A digitalização da ata citada neste texto pode ser conferida no anexo abaixo.

ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de parte do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Casa de Leis.

Texto escrito em coautoria com Bruno Didoné de Oliveira.

 

Achados do Arquivo Documentação

Texto:  Laura Fedrizzi Salere
Supervisão:  Rodrigo Alves - MTB 42.583


Anexos:
ata da 19ª sessão ordinária - 18 de junho de 1962.pdf


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