Em um instante, a sessão do Cine Plaza que nunca aconteceu
Trabalhadores de Piracicaba aderiram à greve geral de 1917 e 1919
Movimentos garantiram aumento salarial e redução na carga de trabalho, sem, no entanto, despertar menção própria da Câmara em sessões ordinárias
Greve geral de 1917 na capital paulista, em imagem de domínio público
Era 1917, e a Primeira Guerra Mundial, então em seu terceiro ano, devastava a Europa, deixando, além de milhares de mortos, uma cada vez mais difícil condição de vida aos sobreviventes. Os estragos sociais e econômicos acarretados pela guerra geraram revoltas, motins e greves que varreram o mundo todo na segunda metade de 1917.
No caso específico do Brasil e, particularmente, da cidade de São Paulo, o movimento se caracterizou como a reação operária a um período de intensificação do horário de trabalho, de subida repentina dos preços e de estagnação dos salários. Em resumo, de uma forte piora do poder de compra e das condições de trabalho.
Em Piracicaba, a greve de 1917 aconteceu em julho. De acordo com o artigo "O movimento operário no interior paulista: uma análise das greves gerais de 1917 e 1919 em Piracicaba", de autoria de Fabiana Ribeiro de Andrade Junqueira, mestre em história pela Unifesp e doutoranda em história pela Unicamp, em 15 de julho de 1971, um domingo, "alguns trabalhadores distribuíram de mãos em mãos, nas ruas e nas portas das oficinas e engenhos de Piracicaba, um panfleto no qual convocavam os companheiros a decretarem greve geral".
Pelos dias seguintes, paralisações, cortejos e portas fechadas deixaram a cidade com um ar completamente diferente do habitual. Mesmo com esse cenário agitado, não houve manifestação na Câmara quanto aos acontecimentos. As atas nada trazem de informação a respeito do tema.
Como exemplo, a ata da Sessão Ordinária de 16 de julho, beirando o blasé, trata de assuntos bem distantes do fato principal que tomava conta do município, tais como um requerimento, da diretoria do Sport Club 15 de Novembro, pedindo auxílio financeiro "a fim de poder concluir o campeonato, aproveitando as vitórias já conseguidas"; e uma indicação ao prefeito, para que disponibilizasse as verbas necessárias para "recepção e festejos ao Ex. Sr. presidente do Estado", que visitaria a cidade.
Dois anos depois, em 1919, novas mobilizações agitaram Piracicaba. De acordo com o texto de Fabiana, "no início do mês de maio, os operários começaram a distribuir panfletos pela cidade projetando a possibilidade de uma nova paralisação; a polícia logo interveio e fez circular um boletim proibindo as reuniões operárias em praça pública, sob ameaça do uso da força". Mesmo assim, "no dia 17 de maio, trabalhadores do Engenho Central, da Fábrica Arethusina e da Casa Krähenbühl decidiram não trabalhar até que melhores condições de trabalho fossem impostas às fábricas".
Um mês e meio mais tarde, no início de julho de 1919, insatisfeitos com suas precárias condições de trabalho, os ferroviários da estação da Sorocabana em Piracicaba paralisaram suas atividades. No dia 4, os operários de todos os estabelecimentos industriais do município decidiram se solidarizar com os trabalhadores da Estrada de Ferro.
Para a elite piracicabana, que estava habituada a viajar e a ver sua produção escoada para as demais regiões do Estado, a situação se tornou calamitosa. De acordo com Fabiana, "a imprensa e a polícia passaram a atuar em franca comunhão, e logo tomaram as páginas do jornal as atuações e os avisos do delegado da cidade, o senhor Djalma Goulart, de repressão ao movimento paredista". As ações dos grevistas resultaram na prisão de alguns de seus líderes. Ainda segundo a historiadora, houve "uma verdadeira 'caça às bruxas' na imprensa piracicabana. Dia a dia foram publicadas matérias sobre o inquérito policial aberto contra trabalhadores".
Em meados de julho, a greve já tinha se desarticulado, com os trabalhadores tendo obtido algumas vitórias, como o aumento de salário e a redução da jornada de trabalho. Quanto à Câmara, nos meses de greve, de maio a julho, não há qualquer menção em ata de alguma manifestação. Somente na Sessão Ordinária de 4 de agosto há registro de abordagens do assunto. A greve é citada em dois momentos nessa sessão: no primeiro, de forma indireta e, no segundo, de maneira clara.
Indiretamente, a greve é citada na leitura do Expediente, quando a Casa toma conhecimento de uma representação apresentada pelos comerciantes e empregados do comércio, em que requerem a edição de uma "lei que determine o fechamento das casas comerciais às 18 horas nos dias úteis".
Os argumentos utilizados pelos requerentes refletem o "zeitgeist", o espírito da época. São argumentos que citam as conquistas recém obtidas pelos grevistas, de maneira a tentar convencer o Poder Público de que mudanças eram necessárias e de que era chegado o tempo em que os trabalhadores deveriam receber um tratamento mais digno e humano.
A seguir, a transcrição das razões apresentadas pelos solicitantes: "Essa medida, adotada nas grandes capitais e cidades, não trará prejuízos a quem quer que seja; ao contrário, só benefícios poderá trazer. Com o humanitário e almejado estabelecimento de oito horas de trabalho nas indústrias da cidade, o serviço para todos os operários cessa às 16 horas e, dessa hora em diante até a do fechamento, eles terão tempo de sobra para realizar suas compras; as famílias e o público em geral, por sua vez, não têm necessidade de efetuar suas compras depois das 18 horas. Fechando-se os estabelecimentos à hora acima referida, faz-se uma economia sensível de iluminação e os comerciantes e seus auxiliares terão mais tempo para repousar e descansar o espírito, sabido como é que a classe comercial é uma das que exigem mais esforço físico e intelectual. Com a medida da hora requerida terão os signatários também tempo para frequentar as bibliotecas e os cursos comerciais e de datilografia, preparando-se, desse modo, mais convenientemente para o progresso da classe".
Já a citação direta à greve é feita na Ordem do Dia, quando é lida uma Indicação, apresentada pelo vereador Sebastião Nogueira de Lima, em que ele sugere que a Câmara felicite o delegado de polícia, Djalma Goulart, pela sua atuação na greve, por ter tomado "medidas enérgicas e acertadas". O registro, o único da Câmara a fazer menção à greve, parabeniza a força policial, que, de "modo correto e brilhante", chegou a mandar para a cadeia alguns dos trabalhadores que faziam greve.
O teor da Indicação era o seguinte: "Indico que a Câmara Municipal, por seu presidente, oficie ao Dr. Djalma Goulart, M. D. delegado de polícia desta cidade, felicitando-o, em nome do município, pelo modo correto e brilhante com que se houve como autoridade nos acontecimentos que se deram a propósito da última greve, nos quais ele, tão criteriosamente, amparando o direito das duas classes em questão, soube, ao mesmo tempo, assegurar a ordem pública por meio de medidas enérgicas e acertadas".
Duas semanas mais tarde, na Sessão Ordinária de 18 de agosto, o Expediente registra o recebimento de um ofício, de autoria do delegado, em que ele agradece as felicitações da Câmara e, em menção à maneira como atuou na greve, garante estar sempre pronto a combater os "inimigos da ordem".
As palavras do delegado: "Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Piracicaba. Acusando o recebimento de vosso ofício de 4 do corrente, em que V. Excia. se dignou trazer ao meu conhecimento o voto de louvor votado, por indicação do exmo. sr. vereador Dr. Sebastião Nogueira de Lima, pela Câmara Municipal de que sois muito digno presidente, à seção da minha polícia por ocasião da última greve, venho trazer-vos, sr. presidente, o meu profundo agradecimento por esse gesto que muitíssimo me honra. Servir-me-á ele de estímulo a resistência que estou sempre pronto a oferecer aos inimigos da ordem, e de grande auxílio e apoio moral de muito alto valor à minha seção nesta Delegacia de Polícia em defesa da cidade de Piracicaba, da sua população, da sua riqueza, do seu nome como cidade culta entre as mais cultas de São Paulo, e da segurança dos seus habitantes e do seu governo. Esse é o meu dever que procuro cumprir de fato, diante do voto da digna Câmara Municipal de Piracicaba. Agradeço-vos e vos confesso, hoje como sempre, sempre pronto para a defesa da nossa cidade de Piracicaba".
As greves gerais de 1917 e 1919 tiveram proporções grandiosas, inclusive em Piracicaba. Mesmo assim, não há registro da abordagem do tema nas atas da Câmara Municipal. O que há é o registro histórico do não-debate, com os documentos resumindo-se a um protocolar recebimento de representação dos trabalhadores do comércio e a uma troca de lisonjas com a autoridade policial da época.
ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de documentos do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo. A iniciativa do Setor de Documentação em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara às sextas-feiras, visa tornar acessíveis ao público as informações do acervo da Casa de Leis.
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