Sete de novembro de 1964: o dia quando O Diário virou notícia
Tradição de Piracicaba em eventos filantrópicos tem mais de um século
Às vésperas do início de mais uma edição da Festa das Nações, Achados do Arquivo relembra grande evento relatado em 1922 por cartas da cápsula do tempo da Sud Mennucci
"Onde se ergueram barracas do mais apurado gosto artístico; estilos português, japonês, holandês e brasileiro" é o que diz trecho da carta da professora, sobre festa filantrópica em Piracicaba em 1922
Tem início no próximo dia 15 a 39ª edição da Festa das Nações, o maior evento filantrópico, cultural e gastronômico de Piracicaba. Mais de 40 anos separam a atual edição e a origem da festa, que nunca perdeu sua missão beneficente de arrecadar fundos para fins sociais.
No entanto, a mistura entre filantropia, cultura e gastronomia em grandes eventos públicos ultrapassa a barreira das décadas em Piracicaba. Ou, melhor, supera um século, se tomados os indícios de 1922 deixados por dois professores de história da antiga Escola Normal, atual Sud Mennucci, que eternizaram seus relatos em uma cápsula do tempo aberta cem anos depois, cujos itens podem ser conferidos virtualmente no site da Câmara.
A professora Zilah Gracinda da Silva destinou a carta que redigiu à "mais distinta professoranda em história no ano de 2022", nela descrevendo as diversas comemorações decorrentes do Centenário da Independência do Brasil, celebrado em 1922.
Uma dessas festas teve finalidade filantrópica: angariar recursos para a construção de um novo prédio para a Santa Casa de Misericórdia. A ideia trazia muito do espírito da atual Festa das Nações: barracas temáticas, com gastronomia e cultura de diferentes países, e atrações para todo o público.
O belo relato de Zilah, destinado à posterioridade, não merece ser adaptado ou explicado, tão somente reproduzido e apreciado:
"Em todas as cidades e vilas do interior celebram-no entusiasticamente; e Piracicaba, a minha terra natal, para festejá-lo, procurou desenvolver no coração de seus habitantes o sentimento que temos mais latente: a caridade, sentimento mais sublime, que bem interpretado nivela a sociedade e eleva nossa alma ao Criador, sentimento esse que o povo piracicabano compreende e pratica, porque é inato em seus habitantes. (...)
Piracicaba cresce! A nossa Santa Casa é pequena para conter os seus doentes. Foi por isso que os seus pró-homens, para comemorar o Centenário, resolveram dar às festas um fim humanitário. Essa ideia foi acolhida por todos com entusiasmo, e o lugar designado foi a poética Praça Resende, onde se ergueram barracas do mais apurado gosto artístico; estilos português, japonês, holandês e brasileiro, diversões de todas as espécies, desde a viola do caipira até o carrossel em aeroplanos, e para lá se dirigiu toda a população, ávida de uma diversão e gulodice, contribuindo assim para o fim tão nobre e altruístico".
Tal como a primeira, a segunda carta chama logo a atenção pela delicada grafia de seu redator. "Daquele que em vida se chamou Bento Lordello" é como assina o relato o outro professor de história que, em 1922, se dedicou a descrever a Piracicaba de sua época para que o futuro tivesse a oportunidade de revisitar o passado:
"Ao ilustre professor de História do Brasil desta Escola no ano de 2022, dedico mui respeitosamente estes dados sobre as festas comemorativas à grandiosa data de 7 de Setembro de 1922, dia do centenário da nossa emancipação política, realizadas nesta cidade. (...)
Passemos a falar das festas populares que respiravam a filantropia de um povo, que por um meio mais eficaz, mais perene e sublime, atestou o seu amor humanitário e homenageou elevadamente a data em foco e as forças potentes da nossa civilização, do nosso progresso e do nosso engrandecimento. (...)
A Santa Casa de Misericórdia desta cidade, achando-se privada de acolher míseros mortais que o destino frio fazia penar, que fossem bater às suas portas em procura de lenitivos e carinhos de Irmãs abnegadas, e isto por falta de alojamento, resolveram corações filantrópicos, incansáveis amparadores desta Casa pia, regozijar o 7 de Setembro de 1922 com grandiosas festas populares beneficentes, cujo produto revertera pró construção de um novo prédio, em melhores condições de higiene e de conforto para nele funcionar o hospital da Santa Casa. (...)
Belas e suntuosas festas se realizaram no Parque Rezende. Belas materialmente e sublime pelo fim a que se destinavam. A elas aderiram os representantes de nossa instrução, a mocidade, senhoras e senhoritas da nossa melhor sociedade, cavalheiros representativos, enfim o povo piracicabano afluiu nesses dias ao grande logradouro público para abrir as suas bolsas para mitigar sofrimentos e afirmar o renome desta terra".
As descrições das comemorações, em Piracicaba, do Centenário da Independência, deixadas pelos professores de história em 1922, possuem inúmeras similaridades com a Festa das Nações não apenas pelo lado cultural, representando estilos e culinárias de alguns países, mas principalmente pelo seu caráter filantrópico. A cápsula do tempo do Sud Mennucci segue revelando seus mistérios, apresentando o "embrião" do que hoje é um dos maiores eventos públicos da cidade.
ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de documentos do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo. A iniciativa do Setor de Documentação em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara às sextas-feiras, visa tornar acessíveis ao público as informações do acervo da Casa de Leis.
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