EM PIRACICABA (SP) 18 DE DEZEMBRO DE 2020

'Nunca me distanciei das lutas sociais', diz Rai, que retorna à Câmara

Vereadora por dois mandatos, entre 1989 e 1996, advogada quer iniciar o terceiro com a discussão sobre implantar em Piracicaba o programa "Renda Mínima Cidadã".




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Vereadora entre 1989 e 1996, Rai foi eleita com 1.028 votos para seu terceiro mandato na Câmara

Crédito: Guilherme Leite - MTB 21.401


Prestes a reassumir uma cadeira na Câmara de Vereadores de Piracicaba após 24 anos, Raimunda Ferreira de Almeida, a Rai, 65, quer iniciar seu terceiro mandato discutindo a possibilidade de implantar no município o programa "Renda Mínima Cidadã", benefício inspirado em lei de autoria do ex-senador Eduardo Suplicy (PT-SP) para a garantia das necessidades básicas da parcela vulnerável da população.

"Já estou articulando para fazer no início do meu mandato uma audiência sobre essa questão. Em Piracicaba já há pessoas em situação de fome e nós temos que discutir uma política que dê amparo social e assegure o mínimo para sua subsistência. Se o prefeito quer fazer uma gestão diferente da que estava aí, precisa olhar para os mais necessitados", diz a vereadora eleita, em menção a Luciano Almeida (DEM), que assume o Executivo no dia 1º.

Para Rai, cabe ao Poder Público "ser fomentador e distribuir a riqueza". "Nós, dos setores médios, que temos o básico assegurado, precisamos olhar para a população da periferia, em que falta tudo. Fazer isso não afeta os recursos públicos, pois, quando as pessoas recebem uma renda mínima, elas consomem e geram riqueza para a cidade como um todo", analisa.

A vereadora do PT, eleita com 1.028 votos, diz querer fazer uma "oposição construtiva". "Farei a defesa do que tem que ser defendido, as pautas que beneficiarem o conjunto da população, de forma propositiva", comenta, listando as bandeiras que pretende levar à Câmara. "Lutarei por saúde, educação, cultura e moradia, pelo meio ambiente, pelas mulheres, pelas pautas LGBTQ+ e pelos direitos humanos e animais."  

Filha de Ana Ferreira de Almeida e Francisco Galdino Neto, Rai nasceu em 21 de janeiro de 1955 e veio de Sousa (PB), sua terra natal, para Piracicaba aos 3 anos. "Chegamos em 1958 como família de retirantes, a exemplo de muitos nordestinos, em busca de melhor qualidade de vida." Ela e mais dois irmãos —a metade mais velha do total de seis— ajudavam o pai no trabalho como meeiro numa fazenda que fornecia cana-de-açúcar à Usina Costa Pinto.

"Foi um período muito difícil. Além de ser um trabalho bruto, era uma exploração a toda prova, com as dificuldades muito mais acentuadas do que no Nordeste, porque meus pais estavam sozinhos aqui e as famílias dos dois lá. Convivi com isso desde muito pequena, de passar por necessidade mesmo, pois tínhamos privações severas. E foi isso que me trouxe inquietude: não posso negar minha origem, sair dessa luta", comenta.

A família viveu na colônia da usina e trabalhou na roça por 13 anos, quando se mudou, em 1971, para uma casa alugada, na Vila Rezende —realidade onde cresceram os três irmãos mais novos de Rai. Foram três endereços no bairro em dez anos, até Francisco conseguir comprar, pelo Sistema Financeiro Habitacional, uma casa na Balbo, que começava a surgir como núcleo popular.

Rai, que havia estudado os anos iniciais na escola rural da Fazenda Barreiro, concluiu o então colegial na Escola Estadual "Monsenhor Jeronymo Gallo", cursou graduação em ciências e direito e fez mestrado em direito pela Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba).

Trabalhou como empregada doméstica, como vendedora em lojas tradicionais de roupas e utensílios para casa, no Centro, e como auxiliar no laboratório de análises clinicas do Hospital dos Fornecedores de Cana. A porta de entrada para o universo sindical veio em 1977, com a contratação para ser secretária administrativa na Dedini Metalúrgica, onde ficou dez anos.

"Foi o início da minha militância. Ali vislumbrei a diferença, em que eu era uma operária e tinha alguém que usufruía do trabalho meu e de milhares de outros. Para mim, foi um divisor de águas, porque, quando comecei a militar, você tinha de ficar quieto, trabalhar e se submeter, não podia reivindicar. Mas eu disse: 'Temos de lutar por melhores condições, mais direitos, não podemos ficar quietos'. E isso me despertou para a necessidade de formação política", recorda.

A identificação com o partido onde construiria sua trajetória veio dessa época. "Havia um núcleo de educação política, chamado 13 de Maio, em São Paulo, e o PT e a CUT [Central Única dos Trabalhadores] tinham o Instituto Cajamar, que formava a militância. Comecei a participar dos cursos de formação e a estudar para entender como funciona a sociedade, que está dividida em classes, em que uma oprime a outra", diz Rai, afirmando-se "socialista".

A filiação ao PT, em 1984, coincidiu com o envolvimento de Rai com o sindicalismo, por meio da Dedini, e com o movimento dos mutuários da Balbo, ante a dificuldade das pessoas em pagar o financiamento das casas pelo antigo Banco Nacional de Habitação, no governo José Sarney. "Foram as duas primeiras lutas das quais participei. Encontrei o meu caminho e a minha identidade no partido com o qual vislumbro essa mudança que sonho até hoje, de uma sociedade de iguais em que as pessoas sejam respeitadas em suas diferenças."

Rai credita aos metalúrgicos —ela trabalhou no sindicato da categoria, em Piracicaba, após sair da Dedini— a maior parte dos cerca de 700 votos de sua primeira eleição para a Câmara. Então com 34 anos e passagem pela assessoria do então deputado estadual José Machado, ela diz que, em sua estreia no Legislativo, como única mulher entre os 21 parlamentares, teve "muito medo e receio de fazer coisa errada". "Conhecia o papel da Câmara, sua importância, mas sem saber como funcionava no seu cotidiano. Foi um aprendizado."

Para Rai, os vereadores que exerceram mandato entre 1989 e 1992 foram protagonistas de "uma Câmara de excelência". "Depois dela, não teve nenhuma outra com essa qualidade na história de Piracicaba. Foi a legislatura em que fizemos a Lei Orgânica do Município, em que o nível do debate político era elevadíssimo, com todas as diferenças políticas que pudéssemos ter", afirma, citando colegas como Isaac Roston, Barjas Negri e Helly Melges.

A reeleição em 1992 veio consolidar a atuação próxima aos movimentos sociais. "Havia a associação dos favelados, que tinha uma força política imensa, e eu participava ativamente. Como fruto disso, várias favelas foram urbanizadas, entre elas o Algodoal e o Jardim Glória. Nunca me distanciei das lutas sociais; sempre estive muito vinculada, desde o início da minha militância até hoje."

Após o fim de seu segundo mandato na Câmara, Rai abriu o próprio escritório e advogou por 17 anos para o Sindicato dos Professores de Campinas e Região. Com a eleição de José Machado, em 2000, para novo mandato na Prefeitura (ele havia governado a cidade entre 1989 e 1992), Rai assumiu a coordenação de políticas públicas para mulheres.

Foi assessora do ex-vereador José Antonio Fernandes Paiva por três meses e candidata a deputada federal em 2006, quando obteve 12.169 votos. Em 2011, aceitou o convite do governo Dilma Rousseff (PT) para atuar no então Ministério da Fazenda: primeiro como coordenadora de planejamento da Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração, depois como diretora-adjunta da Escola de Administração Fazendária, até 2016, quando houve o impeachment da presidente.

Ao longo das duas últimas décadas, Rai manteve a militância em movimentos sociais ("Participei de vários, inclusive em Brasília", cita) e hoje integra os coletivos Frente das Culturas de Piracicaba e 8M, sigla para 8 de Março, "grupo de mulheres que têm pautado a questão do feminismo na cidade, feito atos e participado de denúncias contra a violência".

"Decidi voltar à Camara exatamente pelo momento político em que nos encontramos, que é de criminalização da política. Há um avanço da direita e a necessidade de fazermos o contraponto a partir do Legislativo, ocupando esse espaço para fomentar o debate político, porque é nele que se decidem os projetos mais emblemáticos que impactam a vida do cidadão", comenta.

A campanha, conta Rai, dividiu-se entre o virtual e as ruas. "Utilizei as mídias sociais, mas também, com os cuidados que o momento requer, fui conversar com as pessoas. Piracicaba tem um antipetismo que está aí posto, mas eu, pelo menos, tive muito pouca rejeição das pessoas com quem tive a oportunidade de estar. A empatia e a recepção foram muito maiores", analisa, atribuindo aos eleitores com mais de 40 anos a maior parte de seus votos, "porque são os que acompanharam meus mandatos e sabem que foram bastante intensos e de enfrentamento."

A vereadora eleita se diz "muito otimista" por a nova legislatura contar com a maior bancada feminina da história da Câmara. "Que possamos conjuntamente estabelecer uma pauta comum na defesa das mulheres, do feminismo. Respeitadas as diferenças que estão postas no campo político e ideológico, que possamos construir uma unidade", enfatiza Rai, que condena o que chama de "política de bar".

"O Parlamento é o espaço do diálogo, do debate, da articulação política e da canalização das reivindicações populares e sociais. E com isso combatemos o proselitismo, o fisiologismo, o assistencialismo, esse modo de fazer a 'política de bar', de atender o favor individual. Que façamos a política que atenda às necessidades coletivas, porque, se são individuais, eu sempre vou deixar de atender alguém."

Eleições 2020

Texto:  Ricardo Vasques - MTB 49.918
Supervisão de Texto e Fotografia: Valéria Rodrigues - MTB 23.343

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