EM PIRACICABA (SP) 24 DE FEVEREIRO DE 2023

Criação do cargo de prefeito, em 1835, expõe conjuntura da época

Documento preservado pelo Setor de Documentação e Arquivo da Câmara registra posse e juramento do primeiro ocupante do cargo




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Giovanna analisa que auto de posse marca uma conjuntura da época

Crédito: Guilherme Leite - MTB 21.401


O auto de posse datado de 6 de julho de 1835 – destaque da coluna Achados do Arquivo, publicada às sextas-feiras pelo Departamento de Comunicação da Câmara Municipal de Piracicaba – nomeia Francisco José Machado como o primeiro prefeito de Piracicaba, na ocasião denominada Vila da Constituição. 

Preservado no Departamento de Documentação e Arquivo do Câmara Municipal de Piracicaba, o registro também expõe a conjuntura da época, em que os poderes locais passam a ter mais força no País a partir da promulgação do Código do Processo Criminal de Primeira Instância, alguns anos antes, em 1832. 

Embora o marco de emancipação de Piracicaba seja o 10 de agosto de 1822, quando a então freguesia é alçada a Vila e conquista autonomia, não existia o cargo de “prefeito”, mas os chefes do que se assemelhava a um poder administrativo eram denominados ora de “alcaide”, ora de “juiz ordinário”. 

O documento pode ser acessado transcrito e digitalizado na íntegra na versão em PDF no final desta matéria, registra o fato: 

Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e trinta e cinco aos seis dias do mês de julho do dito ano nesta Vila da Constituição e Casa da Câmara em ato que ela achava reunida estando presente Francisco José Machado, a ele lhe deram posse e juramento de Prefeito pelas Palavras da Lei” (em transcrição livre) 

Mas entender o surgimento dos prefeitos ultrapassa os limites geográficos piracicabanos e vai além dos registros disponíveis no acervo documental da Câmara, já que a criação do cargo se deu em um contexto específico da história brasileira. 

É preciso retornar um pouco no tempo, mais precisamente em 1832, quando a Regência do Império promulgou, em 29 de novembro, o Código do Processo Criminal de Primeira Instância, como uma tentativa de contornar as instabilidades decorrentes da abdicação de Dom Pedro I, ocorrida um ano antes, em um contexto marcado por revoltas e instabilidades.

“Ao mesmo tempo em que o Código buscava mecanismos para controlar a desordem pública, dava amplos poderes aos vereadores, uma vez que determinava que câmaras municipais seriam as responsáveis por nomear ou indicar grande parte dos cargos de controle e de fiscalização”, explica a arquivista Giovanna Calabria, chefe do Setor de Documentação e Arquivo da Câmara, ao lembrar o caso dos juízes municipais, “que seriam escolhidos a partir de uma listra tríplice elaborada pela edilidade”. 

Mas a amplificação dos poderes das câmaras municipais gerou resposta da Assembleia Provincial de São Paulo, que promulgou em 11 de abril de 1835 a Lei 18, na qual, já nos dois primeiros artigos, demonstram a intenção de retomada de poder por parte governo provincial. Leia a transcrição, mantendo a ortografia e gramática da época: 

Art. 1.° - Haverá nesta cidade, e em cada uma das vilas um prefeito, que Jurará em quanto bem servir: com tudo, passados quatro anos poderá escusar-se do emprego, e só depois de outros quatro poderá ser constrangido a tornara a servir. O prefeito, que deixar de o ser não será mais obrigado a exercer qualquer outro encargo municipal, salvo se for emprego e jurisdição.

Art. 2.° - A sua nomeação, suspensão, e demissão será feita pelo governo, precedendo informação da câmara respectiva quer sobre a idoneidade das pessoas de maior consideração do município, em que possa recair tal emprego quer sobre os defeitos, ou crimes do que o estiver exercendo, que o torne inábil de continuar no exercício.

Foi a Lei Provincial de 11 de abril de 1835 que criou o cargo de prefeito e em julho do mesmo ano a Câmara empossava o primeiro ocupante do cargo em Piracicaba: Francisco José Machado, que fora escolhido e nomeado pelo presidente da província de São Paulo. Este sistema de governo perdurou até de 1840 e chegou ao fim com a antecipação da maioridade de Dom Pedro II, em 23 de julho daquele ano, e o restabelecimento do chamado Poder Moderador no Brasil. 

Francisco José Machado e Manoel de Toledo e Silva foram os dois prefeitos de Piracicaba destes cerca de cinco anos. O termo “prefeito” só passa a ser utilizado novamente no início do século XX em uma conjuntura diferente.

“É possível perceber que, inserido em seu contexto, um documento é capaz de ir além daquilo que está propriamente dito”, analisa Giovanna. “Um auto de posse de poucas linhas manuscritas não registra apenas o nome do primeiro prefeito piracicabano, mas reflete a situação política de um período determinado da história”, conclui.

ACHADOS DO ARQUIVO – A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de parte do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Casa de Leis.

Achados do Arquivo Documentação

Texto:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Supervisão:  Rebeca Paroli Makhoul - MTB 25.992


Anexos:
auto de posse - transcrição.pdf

digitalização.pdf


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