EM PIRACICABA (SP) 28 DE OUTUBRO DE 2020

Eleições 2020: Primeiro pleito em Piracicaba aconteceu há dois séculos

Segundo o livro “História de Piracicaba em Quadrinhos”, eleição teria ocorrido "antes do dia 17 de maio" de 1921.




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Cecílio concede entrevista para o projeto "Parlamento Aberto Nas Urnas"

Crédito: Guilherme Leite - MTB 21.401





Em mais de 500 anos de história do Brasil, da Colônia ao Império, passando pela República Velha, pela Era Vargas e pela ditadura militar, muitas foram as vezes em que o direito de votar e ser votado ficou restrito a poucos.

Voltando na linha do tempo, a primeira eleição de que se tem notícia no país aconteceu em 1532, na hoje cidade de São Vicente, em São Paulo, para a eleição dos membros do Conselho Municipal da então Vila de mesmo nome.

Na ocasião, os chamados “homens bons” eram quem majoritariamente podiam votar, o que no Brasil Colônia significava ser de linhagem nobre, membro da alta burocracia militar ou senhor de engenho. Os “homens novos”, como assim eram chamados os burgueses ricos, de muitas posses, também podiam fazer parte do pleito.

As eleições eram indiretas, ou seja, primeiro elegia-se um conselho eleitoral e, só depois, este conselho escolhia os representantes que, de fato, ocupariam os cargos políticos e administrativo existentes.

O livro “Eleições no Brasil, uma História de 500 anos”, publicado em 2014 pelo Tribunal Superior Eleitoral, traz que “o processo era cheio de detalhes e etapas”.

A CONSTITUINTE PORTUGUESA - Seguindo um pouco mais na história e indo já para a primeira metade do século 19, mais especificamente em 1821, dom João 6º convoca os brasileiros para a escolha dos deputados que representariam o Brasil, à época parte do reino de Portugal, para votar a nova Constituição, uma demanda surgida na Revolução Liberal do Porto, na cidade de mesmo nome, em 1820.

Para votar, o sistema eleitoral era bastante diferente do atual e constituía-se basicamente de uma eleição indireta de quatro graus, em que os cidadãos das freguesias nomeavam compromissários, que, por sua vez escolhiam os eleitores da paróquia, que designavam os eleitores da comarca, que, finalmente, elegiam os deputados.

PRIMEIRAS ELEIÇÕES EM PIRACICABA - Sob ordens imperiais, em 17 de maio de 1821, uma comitiva de eleitores paroquiais de Piracicaba parte para Itu (Piracicaba ainda era uma freguesia administrativamente ligada a Itu), para lá definirem os eleitores da comarca que, juntamente os demais eleitores das demais comarcas, formariam a Junta da Província, na capital São Paulo, para assim, finalmente, definirem os deputados da província que iriam a Portugal para a votação da constituinte. É o que traz Leandro Guerrini, no volume 1 do livro “História de Piracicaba em Quadrinhos”.

“Entre a representação piracicabana, contavam-se o padre Joaquim do Amaral Gorgel, o tenente José do Amaral Gorgel e o doutor Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, sendo que este último foi eleito em Itu e em São Paulo, seguindo depois para Lisboa, como deputado brasileiro, não obstante ser português de nascimento. De todas essas notícias a gente deduz que houve, antes do dia 17 de maio, a primeira eleição em nossa terra. Infelizmente, não conseguimos a menor informação sobre o assunto”, diz.

A primeira eleição propriamente piracicabana só acontece, de fato, em 10 de agosto do ano seguinte, em 1822, quando da elevação da ainda Freguesia de Santo Antônio de Piracicaba à categoria de Vila, intitulada Vila Nova da Constituição.

“Tal eleição é um tanto complicada e nela foram escolhidos três vereadores, dois juízes ordinários (presidente da Câmara), um juiz de órfãos (espécie de juiz de Direito), um procurador (tesoureiro da Câmara) e um capitão-mor, com funções relativas a delegado de polícia. A eleição não foi direta. Os eleitores paroquiais, em número de 354, elegeram seis membros para a formação da Câmara e seus oficiais; os membros eleitos é que elegeram, entre si, os vereadores, juízes e procurador. Tais eleições foram presididas pelo ministro desembargador João de Medeiros Gomes, ouvidor-geral e corregedor da comarca de Itu, a que a freguesia de Piracicaba estava sujeita”, conta Guerrini.

As primeiras eleições municipais tiveram suspeições sobre fraudes e subornos. “Representação um tanto ou quanto violenta que o tenente-coronel Teobaldo da Fonseca e Souza e mais moradores da Vila da Constituição endereçaram ao presidente da Província de São Paulo, denunciando graves irregularidades havidas nas primeiras eleições municipais de nossa terra e envolvendo num escandaloso caso de suborno o ouvidor João de Medeiros Gomes. A representação dos oposicionistas ao governo afirmava categoricamente que, nas primeiras eleições de nossa terra, em agosto de 1822, houve manifesto suborno, e a Câmara, pelos eleitos, ficou 'em família', isto é, parentes se elegeram e se nomearam a si próprios.”

O VOTO NO IMPÉRIO - Assim como no período colonial, o sistema eleitoral era indireto e o acesso aos cargos públicos e ao próprio sistema eleitoral do Império (1822 a 1889) era bastante restritivo: era o chamado voto censitário. O livro “Eleições no Brasil: uma História de 500 anos”, publicado em 2014 pelo Tribunal Superior Eleitoral, traz que, "durante quase todo o período imperial, as eleições eram indiretas, ou seja, os cidadãos escolhiam os eleitores dos deputados e senadores. Nessas eleições, podiam votar homens com mais de 25 anos que atendessem aos critérios censitários legalmente definidos".

Dentre esses critérios estabelecidos na Constituição Imperial de 1824, havia a classificação econômica dos votantes e aspirantes aos cargos eletivos. Os eleitores eram divididos em eleitores de 1º e 2º grau, de acordo com sua capacidade econômica, religião, ascendência e pendências com a Justiça.

Podiam ser eleitores de primeiro grau, por exemplo, homens com mais de 25 anos e com renda anual de 100 mil réis (o que não era muito para a época), libertos (ex-escravos), homens com pendências na Justiça (chamados de criminosos até 1824) e estrangeiros. Para se qualificar como eleitor de segundo grau era necessária renda mínima anual de 200 mil réis. Libertos e criminosos não estavam aptos para votar em segundo grau.

Para a disputa dos cargos de deputado e senador, os critérios eram ainda mais restritivos. Candidatos a deputado precisavam estar habilitados para votar em segundo grau, possuir renda mínima anual de 400 mil réis e professar a religião oficial do Estado, o catolicismo. Já para o Senado, a renda anual exigida era ainda maior, 800 mil réis, além de ter no mínimo 40 anos (à exceção dos príncipes da Casa Imperial, que podiam ser eleitos senadores aos 25 anos).

Vale registrar que os analfabetos puderam votar livremente no Brasil Império até 1875, quando foi estabelecido o chamado censo literário, que ocasionou significativa diminuição do número de eleitores. Importante também trazer que, a partir da instituição da chamada Lei Saraiva, o voto tornou-se direto e secreto, e o alistamento eleitoral ficou a cargo da magistratura. Além do mais, é neste ano também que o título de eleitor é criado. “É importante ressaltar que a lei não aboliu o voto censitário, ao contrário, estipulou rígidos critérios para a comprovação da renda e instituiu a vedação ao voto do analfabeto”, diz a obra Eleições no Brasil.

Em Piracicaba, a primeira eleição após a Independência do Brasil, e a segunda de sua história, acontece em 9 de agosto de 1823 e é realizada com o objetivo de se preencher uma vaga para vereador.

“Segunda eleição realizada em nossa terra. Havia uma vaga de vereador, aberta com o impedimento de Fructuoso José Coelho. Foi eleito para o 'emprego' (termo da época) José Alvares de Castro, que, na apuração dos últimos eleitores, obteve 9 votos. A respectiva ata fala que à eleição compareceram 'nobreza e republicanos desta Vila'. Nobreza, ao que parece, eram pessoas representativas da localidade, pois, na documentação da época, há ausência completa de títulos nobres. Republicanos eram o povo sem distinção, ou melhor, 'os populares'. Nesse tempo, Dom Pedro I era o ídolo dos brasileiros e ninguém ainda pensava em República", diz Guerrini.

A PRIMEIRA REPÚBLICA - Já na Primeira República, também chamada de “República Velha”, que vai de 1889 a 1930, o voto manteve-se direto, permitido aos brasileiros homens maiores de 21 anos. Os critérios econômicos foram abolidos. Mulheres e analfabetos, no entanto, continuaram proibidos de votar. Segundo o livro “Eleições no Brasil: uma História de 500 anos”, nas eleições presidenciais de 1894 a participação foi de apenas 2,2% da população total.

É o tempo dos coronéis, dos grandes latifundiários e do que ficou conhecido como voto de cabresto, onde os donos do poder controlavam o cenário eleitoral determinando direta ou indiretamente em quem o povo votaria. Vale registrar que a partir de 1896 o voto secreto não era mais obrigatório, ou seja, o eleitor podia declarar em quem votar e também receber um recibo atestando a sua escolha, o que alimentava ainda mais o poder dos coronéis.

Para o historiador e professor da Universidade Federal do Espírito Santo, Rodrigo Sarruge Molina, “embora estivéssemos em uma República liberal, as peculiaridades brasileiras se sobrepunham à questão da República liberal. Quais são essas peculiaridades brasileiras? É a nossa estrutura oligárquica e antidemocrática, que sempre excluiu o povo desses expedientes eleitorais. As elites brasileiras sempre tiveram medo da participação popular no voto”.

A REVOLUÇÃO DE 1930 - É somente com a tomada do poder central por Getúlio Vargas, em 1930, que o Brasil ganha novos ares modernizadores e passa por um período de profundas transformações institucionais. Em 1932, é criada a Justiça Eleitoral. É neste ano, também, que se elabora o primeiro código eleitoral brasileiro, que, pela primeira vez no país, permite o voto feminino. A efervescência eleitoral, no entanto, dura pouco, já que em 1937 Getúlio não chama eleições, como prometido antes, e inaugura o período conhecido como Estado Novo. Neste período, que vai até 1945, almejando o controle total do processo político nacional, não houve eleições no país.

A Justiça Eleitoral, as Câmaras Municipais e o Congresso foram fechados. Nos estados, o governo ficava a cargo de interventores nomeados pelo presidente, os quais, por sua vez, nomeavam os prefeitos.

Cecílio Elias Netto, jornalista, escritor e historiador piracicabano, comentou sobre o impacto do Estado Novo na política local. “Ninguém sabia o que estava acontecendo. Os prefeitos eram indicados pelo governador. Por exemplo, Armando de Salles Oliveira era governador, ligado ao que viria a ser a UDN (União Democrática Nacional). Então, os amigos de Armando de Salles, aqui, João Pacheco Chaves, Jorge Pacheco Chaves, davam uma indicação. O Jorge Pacheco Chaves, por exemplo, foi indicado através do getulismo que ele apoiava aqui em Piracicaba. Então, eram apoios e indicações meramente políticas”, conta.

BREVE RESPIRO DEMOCRÁTICO - Com a renúncia de Vargas e o fim do Estado Novo em 1945, começa um novo período democrático, com a proibição de candidaturas avulsas, ou seja, sem o intermédio de partidos, e com a redução da idade mínima para o voto, que passou a ser de 18 anos. O voto, antes facultativo, agora se torna obrigatório. “Piracicaba vem para essas eleições com um número imenso de candidatos para a Câmara Municipal”, relembra Cecílio Elias Netto.

No cenário nacional, assumem a presidência o general Eurico Gaspar Dutra, Getúlio Vargas (agora eleito pelo voto popular), Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros. O surto democrático, no entanto, dura pouco.

O GOLPE DE 1964 - Setores militares, apoiados por parcelas da burguesia nacional e internacional descontentes com uma possível guinada do país à esquerda, sublevam-se e tomam o poder em 1964. Após derrubar Jânio Quadros, o Congresso Nacional é fechado e direitos políticos de opositores são cassados. Apenas deputados, prefeitos e vereadores eram escolhidos nas urnas. Os cargos majoritários de presidente, governador e senador eram escolhidos de forma indireta.

Molina destaca que, “durante a ditadura civil-militar, de 1964 a 1985, a população brasileira só podia votar em candidatos previamente selecionados pelas Forças Armadas e a elite da época. Então, existia um controle de quem poderia se candidatar. Ou seja, o voto já era 'previamente decidido', porque os candidatos eram censurados. Então é difícil você dizer que o voto era realmente democrático nesse contexto.”

Durante a ditadura, existiam apenas dois partidos políticos autorizados pelo regime: a Arena (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro). O MDB aglutinava setores mais progressistas da sociedade, enquanto a Arena sustentava de forma mais declarada o governo militar.

Em Piracicaba, Cecílio Elias Netto lembra que a criação do MDB na cidade, em tese oposição, precisou ser fomentada pelo próprio governo militar, o que demonstra a não pluralidade do regime. “Não tinha ninguém para ir para o MDB”, diz.

DIRETAS, JÁ - Após fortes pressões populares e um processo gradual de abertura política, o civil Tancredo Neves é eleito, indiretamente, para assumir a presidência do país. Ele morre antes de assumir o cargo, e a presidência fica a cargo de José Sarney. As tão almejadas eleições diretas acontecem, finalmente, em 1988 para os municípios e em 1989 para a presidência.

“A luta por eleições diretas, pela volta da liberdade, foi tanta que eu fiz um ritual cívico para mim. Eu me lembro de que no dia da votação eu tomei meu banho, coloquei terno e gravata, ouvi o hino nacional, me emocionei e falei: 'Agora vou votar de novo!'”, relembra Cecílio.

O VOTO HOJE, AMANHÃ E SEMPRE - Com a Constituição de 1988, que vigora até os dias de hoje, o direito ao voto é garantido. Rodrigo Molina lembra que “o direito ao voto foi um direito conquistado, não foi dado de graça para a população. Com todos os problemas que a nossa democracia apresenta, o voto e as eleições democráticas devem ser valorizadas”.

“A lição que talvez sejamos forçados a aprender é de que, do futuro, muitas outras lutas virão, seja para manter o atual direito ao voto ou para ampliar o voto para outras instâncias da nossa democracia. Se nós fazemos transações bancárias por meio do celular, não seria interessante a população ser consultada por meio dos aparatos tecnológicos para saber que rumos a economia deve tomar, por exemplo? É possível”, conclui o pesquisador.

SAIBA MAIS

> Escolha dos eleitores: Homens bons e povo diziam seis nomes ao pé de ouvido do escrivão; os seis mais votados seriam os eleitos

> Formação das duplas – O juiz mais velho da comarca dividia os seis eleitores em três duplas; nessa formação, procurava-se separar os parentes entre as duplas

> Elaboração de nove listas: Cada dupla elaborava três listas contendo: nomes dos vereadores, dos procuradores e dos juízes

> Redução de nove listas para três: O juiz mais velho rearranjava as nove listas de forma a definir as composições da Câmara para cada um dos três anos subsequentes. Eram formadas três listas contendo em cada uma os nomes dos vereadores, procuradores e juízes que exerciam os cargos durante um ano

> Pelouros: O juiz mais velho inseria em cada um dos pelouros uma lista contendo o nome daqueles que exerciam os cargos da Câmara em um ano; uma sacola com quatro compartimentos acondicionava os três pelouros e a lista contendo o nome de todos os eleitos; a sacola era guardada em uma arca com três fechaduras, cada chave ficando sob a guarda de um vereador que exercia o cargo naquele ano

> Sorteio: No início do ano, numa reunião chamada Janeirinha, a arca era aberta pelos vereadores e um menino de até sete anos sorteava o pelouro que continha o nome dos oficiais que iriam exercer as atividades da Câmara naquele ano.

 

(Esta reportagem integra o projeto "Parlamento Aberto Nas Urnas", com conteúdo produzido pelos departamentos de Comunicação e TV Legislativa, da Câmara de Vereadores de Piracicaba. Além do texto, confira a reportagem em vídeo e em áudio.)

Cobertura Colaborativa Eleições 2020 Eleições 2020

Texto:  Fabio de Lima Alvarez - MTB 88.212
Supervisão de Texto e Fotografia: Valéria Rodrigues - MTB 23.343
Imagens de TV:  Emerson Pigosso - MTB 36.356 Gustavo Annunciato - MTB 58.557 Paulo Soares - MTB 62.602 Márcio Braga - MTB 62.377
Reportagem de TV:  Fabio de Lima Alvarez - MTB 88.212
Edição de TV:  Márcio Braga - MTB 62.377
Rádio:  Fabio de Lima Alvarez - MTB 88.212

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