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Proposta do então vereador Prudente de Moraes, Legislativo iluminou seu prédio e indicando que moradores fizessem o mesmo em suas casas
A princesa Isabel surge num dos balcões do Paço da Cidade e é aplaudida pela multidão logo depois de sancionar a Lei Áurea. Fonte: Agência Senado
A luta do povo escravizado e de intelectuais abolicionistas, na metade final do Século XIX, resultou, em 13 de Maio de 1888, na assinatura da Lei Áurea, pela Princesa Isabel. Repleta de idas e vindas, saltos e sobressaltos, nada do que libertou a população africana e seus descendentes das amarras desta prática do colonialismo europeu, foi dado; tudo é resultado de resistência.
Piracicaba também viu refletir em sua comunidade toda a conjuntura que, lá da capital do Império – naquele período, a cidade do Rio de Janeiro – emanava para todo o País, o último do Continente Americano a não mais permitir, pelo menos na letra da lei, a escravidão de seres humanos. Se por um lado, havia setores locais contrários à Lei Áurea; por outro, houve muita celebração.
Já ciente da aprovação, em 10 de maio, do projeto da Lei da Áurea pela Câmara dos Deputados e, aguardando a votação que ocorreria no Senado, um dia antes da assinatura pela Princesa Isabel – em 12 de maio de 1888 –, a sessão ordinária da Câmara Municipal registrava que o então vereador – em breve, presidente da República – Prudente de Moraes indicava:
“Que esta Câmara associe-se aos festejos e manifestações populares que devem realizar-se nesta cidade por ocasião de chegar a notícia da aprovação definitiva do projeto de abolição da escravidão no Brasil, já [concorrendo incorporada] a esses festejos, e já iluminando o edifício da Câmara e convidando os vereadores da cidade a iluminar as frentes de suas casas”. (em transcrição livre)
Aprovada por unanimidade, a proposta teve o adendo para que “se fizesse distribuir boletim convidando o povo a iluminar a frente de suas casas”.
Toda a celebração era mais do que justificada. Por mais que hoje, 135 anos depois, o fato pareça “corriqueiro”, há de se registrar que houve, até pouco tempo antes da assinatura da Lei Áurea, havia setores da sociedade que ainda tentavam deter possíveis atos de resistência por parte dos escravizados e, assim, garantir a manutenção da escravidão.
No início do fatídico 1888, o vereador Estevão Ribeiro de Souza Rezende havia apresentado à Câmara uma resolução que impunha duras condições às pessoas negras, escravizadas ou não, para permanência na cidade.
Havia uma conjuntura intensa de disputa. É importante ressaltar que, para se chegar a 13 de Maio de 1888, ao longo do Século XIX houve muito debate em torno do fim da escravidão, com a aprovação de leis que, à sua maneira, buscava evitar que este crime contra a Humanidade ainda imperasse no País. Vale registrar legislações que tentavam dificultar a posse de escravizados, como a Lei Feijó (1831); que proibiam o tráfico negreiro, como a Lei Eusébio Queiroz (1850); que previa que toda criança nascida de mãe escravizada seria declarada livre, a Lei do Ventre Livre (1871); e ainda a que concedia liberdade para quem completasse 60 anos de vida, a Lei dos Sexagenários (1885).
“Em geral, essas leis vigoravam somente no papel, já que a elaboração contou com escravocratas que faziam de tudo para que não tivessem a aderência necessária para o cumprimento”, observa Bruno Oliveira, servidor do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara Municipal de Piracicaba e responsável pela pesquisa que resgatou atas do Legislativo daquele período.
Nem mesmo a Lei Áurea conseguiu aplacar este traço perverso do legado colonialista no Brasil e, até nos dias atuais, há casos de trabalhos análogos à escravidão. “Não surpreende que, com o passado escravocrata, sendo o último país do continente a abolir a escravidão, pessoas ainda são ilegalmente escravizadas em vinícolas e lavouras de cana-de-açúcar”, acrescenta Oliveira.
Entre tantos avanços e recuos, o fato é que o 13 de Maio é um marco no Brasil e deve ser celebrado, pontuando sempre suas contradições. Em 1888, com a chegada da notícia na pacata Piracicaba daquela época, algumas casas foram se iluminando, mas outras não.
Uma coisa é certa: nos dias posteriores a este fato, quem passasse pela Rua Santo Antônio esquina com a Rua das Flores (atual Rua Treze de Maio), possivelmente avistaria o vereador Prudente de Moraes tomando os devidos cuidados para que sua casa se mantivesse iluminada.
ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de parte do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo. Ela foi criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, e conta com publicações semanais no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Câmara Municipal de Piracicaba.
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