EM PIRACICABA (SP) 03 DE FEVEREIRO DE 2023

Em 1900, Câmara é convidada para honras fúnebres a rei italiano

Ata foi encaminhada ao Legislativo em 23 de agosto de 1900, pelo Comitê Italiano pelas Honras Fúnebres do Rei Humberto 1º




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Retrato do Rei Humberto 1º, de 1882 - fonte: Wikimedia Commons




Pesquisa realizada pelo Setor de Gestão de Documentação e Arquivo revela que a Câmara Municipal de Piracicaba recebeu uma carta, em 23 de agosto de 1900, em que é convidada a participar da quaresma fúnebre do Rei Humberto 1º, então ocorrida há pouco mais de um mês.

O levantamento foi realizado pelo servidor Bruno Didoné de Oliveira, que atua no Setor, e integra a série Achados do Arquivo, que traz, todas as sextas-feiras no site da Câmara, parte do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo.

A série foi criada pelo Setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Câmara Municipal de Piracicaba.

Confira abaixo a pesquisa e, na área em anexo, a digitalização da ata no texto.

O ano era 1900.

Em Paris, ocorria a famosa Exposição Universal. Em Nova York, um desafio da engenharia: eram iniciadas as obras de construção do metrô. Na Alemanha ocorria o primeiro voo do balão Zeppellin. Na África do Sul, a Guerra dos Bôeres matava milhares de pessoas. Enquanto na Itália, era assassinado o Rei Humberto I.

Nascido em Turim, em 14 de março de 1844, Humberto 1º ascendeu ao trono em 9 de janeiro de 1878. Foi um rei controverso, sendo responsável pela aprovação da Tríplice Aliança em 1882, que era um acordo militar envolvendo, além do Reino da Itália, o Império Alemão e o Império Austro-Húngaro; pela expansão colonial da Itália ao longo da região conhecida como Chifre da África e também pelo apoio ao massacre de Bava-Beccaris, em que uma manifestação popular provocada pela grande alta no custo dos cereais foi atacada a tiros de canhões.

Ao longo da vida, sofreu três ataques que intencionavam matá-lo. O primeiro se deu em novembro de 1878, quando Giovanni Passannante tentou assassiná-lo durante um desfile que presidia em Nápoles. O segundo teve lugar em 1897: Pietro Acciarito quis apunhalá-lo durante uma visita nas imediações de Roma e também fracassou. Porém, em 29 de julho de 1900, depois de jantar na Villa Real, Monza, morreu alvejado por Gaetano Bresci, que matou o monarca com cinco disparos de revólver.

Logo após a solenidade de entrega de prêmios, organizada pela Società Ginnastica Monzese Forti e Liberi, acompanhado por dois generais, deixou o camarote a fim de dirigir-se a sua carruagem, atravessando a multidão que se acotovelava para saudá-lo, gritando vivas, enquanto tocava a marcha real interpretada por uma banda marcial. O regicida Bresci, que já estava havia dois dias em Monza, preparando o atentado, aproveita-se da confusão para disparar contra Humberto 1º cinco vezes. Com três tiros seguidos, Bresci atinge o alvo: o rei recebeu uma bala nas costas, a segunda perfura um pulmão e a terceira, certeira, em pleno coração.

Humberto 1º sequer se dá conta de que o haviam ferido de morte: “Não é nada, vamos em frente!”. Dois segundos depois, desaba: “Rápido, creio que estou ferido!” Num átimo, morre.

Sua morte naturalmente repercutiu no mundo todo. Inclusive numa pacata cidade do interior do Brasil: Piracicaba.

Naquele ano, Piracicaba contava, então, com uma população aproximada de 25 mil habitantes, que, em suas conversas, ainda comentavam sobre o brutal assassinato do pintor Almeida Junior, ocorrido no final do ano anterior. Dentre esses habitantes, a cidade tinha a honra de contar com um ilustre cidadão: o piracicabano de coração, ex-vereador e ex-presidente da República, Prudente de Moraes, que, recém saído do cargo máximo da nação, retornou para Piracicaba e continuou exercendo sua profissão de advogado, residindo à rua Santo Antônio, número 6.

A Igreja Matriz de Santo Antônio rezava suas missas, o Teatro Santo Estevão apresentava seus espetáculos e a Câmara Municipal tratava, na Sessão Ordinária do dia 3 de setembro, sobre serviços referentes ao abastecimento de água, realizados no salto do rio Piracicaba; sobre autorização para a construção de uma capela no largo denominado de “Senhor Bom Jesus” e sobre uma carta recebida pela Câmara, datada de 23 de agosto de 1900, enviada pelo “Comitato Italiano per le onoranze funebri del Re Humberto I”, ou, Comitê Italiano pelas Honras Fúnebres do Rei Humberto 1º. Carta essa escrita e assinada pelo secretário do Comitê, Aldo Padovani. Em tal correspondência, em língua italiana, a Câmara é convidada a participar da quaresma fúnebre do falecido Rei Humberto 1º, que ocorreria na Igreja Matriz.

O texto, em transcrição e tradução livre, traz os seguintes dizeres: 

“A Comissão Italiana para a quaresma fúnebre do falecido Rei Humberto 1º, tem o dever de convidar o mais respeitável Corpo Administrativo para encontrá-lo no atual dia 29 no Largo Municipal, para ir às 10 horas à Igreja Matriz em procissão, para assistir à Missa Solene em sufrágio à Alma do Extinto Monarca”.

Um parêntese: Com o fim, em tese, da utilização da mão de obra escrava, o Brasil recorreu aos imigrantes, oriundos principalmente do continente europeu, para substituir, de maneira remunerada e com apoio das “hospedarias do imigrante”, registre-se, os escravizados nos trabalhos do campo. Dentre as várias nacionalidades de imigrantes que aqui aportaram, a de origem italiana foi a que melhor se adaptou: tinham procedência rural e professavam uma fé fortemente católica, como católica também era a esmagadora maioria da população piracicabana, o que não poderia ser diferente, pois era o resultado de, então, 400 anos de colonização e aculturação portuguesa.

Tendo, portanto, uma população que contava com um grande número de italianos e descendentes de italianos, e sendo um povo predominantemente católico, é perfeitamente compreensível que a morte do rei da Itália tenha repercutido em Piracicaba, a ponto de um “Comitato Italiano” endereçar, à Câmara Municipal, um convite para que as autoridades participassem das cerimônias fúnebres em memória do Rei Humberto 1º, a serem celebradas na Igreja Matriz de Santo Antônio.

Era 1900. E nessa Piracicaba, enquanto seus brancos de origem europeia celebravam suas memórias e tradições homenageando um monarca dentro da Igreja Matriz, do lado de fora seus negros de origem africana, proibidos de entrar e sem direito às suas memórias e tradições, sofriam a eterna punição por cometerem o crime de terem sido jogados à própria sorte, sem amparo de um Estado que, até poucos anos antes, os enforcava no largo da Santa Cruz.

Achados do Arquivo Documentação

Supervisão:  Rebeca Paroli Makhoul - MTB 25.992
Revisão:  Rodrigo Alves - MTB 42.583

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