EM PIRACICABA (SP) 19 DE MAIO DE 2023

Espadas, cavalos e ameaças: faroeste na Vila da Constituição

Documento preservado pelo Setor de Documentação e Arquivo da Câmara registra caso que poderia ser também roteiro de filme do Zorro




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Caso de ameaça de morte na Vila da Constituição, ao estilo das histórias de Zorro, está registrado nos arquivos da Câmara. Imagem: Filme A Marca do Zorro (1941)




Ameaça, cavalo e espada. Parecem elementos saídos de um filme do Zorro – o personagem pulp criado pelo escritor estadunidense Johnston McCulley – ou de qualquer outra produção de faroeste. Mas não, esses componentes cinematográficos fazem parte de um documento presente no acervo histórico Câmara Municipal de Piracicaba, preservado pelo Setor de Gestão de Documentação e Arquivo

Em 15 de março de 1835, uma situação inusitada – mas de considerável perigo –, aconteceu na Vila da Constituição, protagonizada por um cidadão bêbado e duas figuras políticas que correram sério risco de vida. Mas quais foram os detalhes deste singular incidente e como ele terminou? Vamos à narrativa! 

Sob ordem do Presidente da Província – em ofício de 9 de abril de 1835 – é solicitado aos membros da Câmara informação sobre o ocorrido quase um mês antes, em 15/3. Em resposta, encaminhada em 2 de maio, os vereadores relatam a intenção do cidadão Antônio Ferraz Leite – alegadamente sob influência de bebida alcóolica – de reunir seus escravos para assassinar o Juiz Municipal Agostinho José de Carvalho e Domingos José da Silva Braga: 

“Em observância a ofício de V. Exa. datado a nove de Abril, ordenando a esta Câmara que lhe informe sobre a ação praticada no dia quinze de Março, ela tem a dizer que é público e notório que Antônio Ferraz Leite prometera nesse dia assassinar ao Juiz Municipal Agostinho José de Carvalho e Domingos José da Silva Braga, e que para esse fim tinha convidado vários de seus escravos que foram vistos, porém não consta que eles estivessem de tal acordo; é preciso lembrar que o autor, segundo se diz, estava esquentado de bebidas alcóolicas, e isto só era o bastante para empreender semelhante delírio.” (em transcrição livre)

Como consequência desta ameaça, os membros da Câmara relatam que o Juiz de Paz foi logo avisado e que de pronto montou uma escolta, onde compareceu muitas pessoas da Vila, que então reuniram-se todas na rua junto à casa de Domingos José da Silva Braga, um dos alvos de Antônio Ferraz Leite. Porém, logo pelas sete horas da noite, informam os membros da Câmara que apareceu ali o próprio Antônio na porta de José Rodrigues Leite, mas sem companheiros: 

“(...) houve aviso ao Juiz de Paz, e este imediatamente fez uma escolta que logo compareceu muitas pessoas da Vila, e estando reunida esta escolta na rua junto à casa de Domingos José da Silva Braga, apareceu ali perto o dito Ferraz pelas sete horas da noite mais ou menos na porta de José Rodrigues Leite sem companheiro algum.” (em transcrição livre) 

Contudo, o que quer que estivesse nos planos de Antônio Ferraz Leite para aquela noite foi rapidamente por água abaixo, pois tão logo ele apareceu, uma pessoa da escolta o avistou e avisou ao Juiz de Paz, que de imediato deu a ordem para capturá-lo. Antônio Ferraz Leite, que estava a cavalo, tentou escapar quando ouviu as pessoas se aproximando, mas logo foi pego sem conseguir resistir, e descobriu-se que o mesmo estava portando uma espada! Sim, uma espada! 

“(...) e logo um da escolta o avisou ao Juiz de Paz que ali estava o dito Ferraz, e então o Juiz deu ordem para que o apreendessem, ele que o ouviu voltando a cavalo querendo escapar com tudo, foi preso sem motim nem oposição, achando-se ele com uma espada.” (em transcrição livre) 

Logo no dia seguinte à captura de Antônio Ferraz Leite, relatam os membros da Câmara que o Juiz Municipal Agostinho José de Carvalho e Domingos José da Silva Braga apresentaram requerimento, ao qual deu início ao Juiz de Paz, porém logo Antônio Ferraz Leite terminou por assinar um termo de segurança de vida para o Juiz Municipal Agostinho, Domingos Braga e para o Juiz de Paz e foi liberado. Chegou-se à conclusão de que houve premeditação nos atos de Antônio Ferraz, pois o mesmo dizia possuir, já por um tempo, rixa para com os “emboavas”, ou emboabas, palavra de origem indígena que significa “estrangeiro”, “forasteiro” e que era usada pelos paulistas para designar as pessoas de fora que chegavam em busca do ouro, especialmente portugueses. Por fim, os membros terminam por relatar que casos assim são comuns.

“No outro dia apresentaram seu requerimento o dito Carvalho e Braga, e principiou o Juiz de Paz o processo e logo constou que eles se acomodaram, assinando o dito Ferraz termo de segurança de vida aos três e foi solto. Consta que houve premeditação porque a tempos que o dito Ferraz dizia haver rixa com os Emboavas que o Braga trazia por sua conta e mais outro, que agora sabe-se ser o Juiz Municipal Agostinho. Não desejamos desfigurar o negócio, mas é verdade firmada na experiência que caso semelhante é acostumado e sofre muitas alterações, e o que fica dito é o que a Câmara pode informar à Vossa Excelência, que mandará o que for servido.” (em transcrição livre).

E esta foi a conclusão do relato deste breve, porém peculiar, incidente na Vila da Constituição do século XIX.

ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de parte do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo. Ela foi criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, e conta com publicações semanais no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Câmara Municipal de Piracicaba. (Texto de autoria de Brenno Rodrigo Monteiro, estagiário de História do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara Municipal de Piracicaba)

Achados do Arquivo Documentação

Texto:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Supervisão:  Rebeca Paroli Makhoul - MTB 25.992

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