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Série Achados do Arquivo traz projeto de lei que tramitou na Câmara em 1952
Votação do projeto deveria ocorrer três dias antes dos folguedos carnavalescos
Crédito: Davi Negri - MTB 20.499Em fevereiro de 1952, a Câmara Municipal de Piracicaba discutia o projeto de lei 4, para que o município pudesse premiar os cordões carnavalescos e caminhões de rancho. A iniciativa da propositura veio do vereador Oscar Manoel Schiavon. O assunto gerou discussões contrárias e favoráveis na Casa e também na cidade.
O artigo 1º do projeto, datado de 7 de fevereiro, trazia como descrição: “fica a Prefeitura Municipal autorizada a conceder no corrente exercício, um auxílio de Cr.$ 15.000,00 (15 mil cruzeiros), destinados a atender ao pagamento de prêmios aos cordões carnavalescos e caminhões-ranchos”. Na sequência, havia a divisão de valores, conforme a classificação, aos primeiro, segundo e terceiro colocados em cada uma das categorias.
A comissão de análise para o prêmio seria composta por dois vereadores, além de outros membros indicados pelo prefeito. A defesa do vereador Aldrovando Fleury Pires Corrêa, integrante da Comissão de Finanças, trazia: “é o carnaval de rua uma festa popular apreciadíssima. Os prêmios animam os foliões, que são atores nos palcos das ruas. Daí, diversões gratuitas para os homens do povo custarem algo para os cofres municipais. Contrário a despesas supérfluas, no caso presente abro excessão”.
O projeto de lei original está sob a guarda do Setor de Documentação e Arquivo da Câmara Municipal, ligado ao Departamento Administrativo. “Possivelmente não houve o auxílio financeiro então proposto”, diz o servidor Bruno Didoné de Oliveira, que pesquisou o documento original, sob supervisão da chefe do setor Giovanna Fenili Calabria. Ele diz que a segunda página traz a menção que a proposta foi retirada pelo autor, mas não há uma justificativa.
Ao analisar o texto original, Oliveira encontrou manifestações pela rejeição ao projeto. É o caso do vereador e também integrante da Comissão de Finanças, Ângelo Filippini: “o projeto teria o nosso apoio se o município não estivesse em face de questões capitais para o seu desenvolvimento. (...) o comércio local tomou a iniciativa de premiar os ‘foliões’. Dêmos a esse comércio o nosso apoio pessoal, de acordo com nossas posses particulares e deixemos o dinheiro público para satisfazer outras despesas”.
Também na linha contrária seguiu o vereador Domingos José Aldrovandi, que classificou a iniciativa como infeliz e sugeriu a rejeição. “O carnaval é festa de origem e natureza pagãs. Por isso, deveria ser banido da civilização cristã e [universal]. Nenhum benefício traz ao povo ou aos indivíduos, antes pelo contrário, somente malefícios tem produzido, estes de ordem moral, física, etc”, disse o parlamentar.
Em defesa do projeto, a Sociedade Beneficente 13 de Maio entregou abaixo-assinado à Câmara, definindo o prêmio como oportuno. “Indicação essa que teve a mais agradável das repercussões, não só nos meios comerciais, como nos meios ‘momísticos’ da cidade, para não dizer em toda nossa Piracicaba. Assim, os abaixo assinados, que representam o ‘Carnaval de Rua’, tomam a liberdade de virem à presença dessa ilustre edilidade – e a cada um dos srs. vereadores de per si -, para solicitarem o seu beneplácito, aprovando a indicação de Schiavon”.
O mesmo abaixo-assinado informa que a votação do projeto deveria ocorrer nas sessões ordinárias a serem realizadas nos dias 14 e 21 de fevereiro de 1952, “três dias antes dos folguedos carnavalescos”.
Segundo Oliveira, o abaixo-assinado se destaca como o documento de mais impacto da proposta e a primeira assinatura era do presidente da Sociedade 13 de Maio, Benedito José Anastácio. “Eram pessoas comuns, que não figuravam entre os ocupantes de cargos de alto escalão, muito pelo contrário. Era um documento oriundo do povo, com a cara do povo, trazendo a força do povo”, avalia o servidor do Setor de Documentação e Arquivo.
REPRESSÃO – Oliveira lembra ainda que a festa popular foi reprimida por vários anos pela elite. “Após a abolição da escravidão, a elite perdeu o controle sobre os negros, e a festa era o momento em que eles, os negros, conseguiam se manifestar”, analisa, ao citar que a repressão aos cordões vem deste mesmo contexto. “Tentou-se reprimir os cordões que percorriam a cidade e que, por sua natureza, não tinham um itinerário definido ou horário certo. Era uma clara tentativa de esconder o negro e retirar suas práticas culturais das ruas”, completa.
Conforme Oliveira, o Estado só reduziu a hostilidade contra o Carnaval na década de 1940, quando o turismo ganhou força econômica. “O poder público, então, assumiu funções ligadas à infraestrutura, como montar arquibancadas e definir que espaços deveriam ser decorados, entre outras funções”, explica.
ACHADOS DO ARQUIVO – A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de parte do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Casa de Leis.
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