EM PIRACICABA (SP) 06 DE MARÇO DE 2023

Ofícios externam receio local com atos violentos na Capital do Império

Documentos de 1831 mostram a mobilização na então Vila da Constituição durante a crise que resultou na abdicação de Dom Pedro I




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Brenno Monteiro, estagiário de história, realizou pesquisa que encontrou nos ofícios na Câmara

Crédito: Guilherme Leite - MTB 21.401


O ano de 1831 foi marcado pelos resultados do tumultuoso e delicado governo de Dom Pedro I, que acabou por criar um clima tenso entre as oposições, até chegarem às vias de fato com atos de revolta e violência, levando finalmente à sua decisão de abdicar do trono em nome de seu filho Dom Pedro II. 

Na então Vila da Constituição – nome pregresso de Piracicaba –, a sociedade se mobilizou junto à Câmara para externar preocupação com a escalada da crise que criou caos na Capital do Império. O relato integra mais uma edição do Achados do Arquivo, em pesquisa realizada pelo estagiário de História, Brenno Rodrigo Monteiro, sob a supervisão da chefe do Departamento de Gestão de Documentação e Arquivo do Legislativo, Giovanna Calabria. Cópias digitalizadas do ofício estão anexas ao fim desta reportagem.

Com a persistência por vários dias de conflitos entre partidários portugueses, defensores da Corte, e os brasileiros cada vez mais descontentes com o governo da época, foi redigido um ofício pelo Juiz de Paz de Vila da Constituição, na época representada por Manoel de Toledo e Silva, onde está descrita a preocupação popular diante das revoltas: 

Divulgando nesta Vila que um grande número de anarquistas perdendo o respeito devido às Leis e Autoridades, corre nas ruas do Rio de Janeiro atacando a segurança individual, a propriedade e as casas dos cidadãos pacíficos e estrangeiros, cometendo numerosos assassinatos à face da Assembleia Geral e da Regência, que sem dúvida estão sem forças para rebater tão execráveis atentados que anunciam a entrada da anarquia na Capital do Império, e tendo-se por este motivo agitado os ânimos do povo de tal modo que todos temem ver espalhar-se o contágio por mais algumas partes...” (em transcrição livre). 

Um pouco antes da abdicação de Dom Pedro I, em 7 de abril de 1831, há o relato da criação da Sociedade de Defensores da Liberdade e Independência Nacional, organizada por representantes da Vila da Constituição. 

Os acontecimentos da Corte na chegada do Sr. Dom Pedro quando regressou de Minas ocasionou aos abaixo assinados reunirem-se em Sociedade, com o título de Defensores da Liberdade e Independência Nacional, assim como praticou a cabeça da Província e as vilas circunvizinhas, e antes que se realizasse dita Sociedade com os precisos Estatutos, apareceram novas notícias sobre a abdicação da Coroa na pessoa do Príncipe Imperial o Sr. Dom Pedro II. Isto dissipou todos os receios de guerra civil e hoje o Brasil já apresenta uma face puramente constitucional...” (em transcrição livre). 

Devido a esta escalada violenta na guerra civil, o próprio Conselho Diretorial da Sociedade dos Defensores da Liberdade envia um ofício aos membros da Câmara, expondo a oposição aos ataques violentos na Capital e sua intenção de marchar para lá caso os anarquistas não sejam contidos: 

“...um grande número de faciosos correm as ruas do Rio de Janeiro perturbando a ordem pública, assassinando e roubando a nacionais e estrangeiros, e que pretendem derrubar o Governo Nacional e formar governo a seu bel prazer, como que se os brasileiros nas províncias não fossem mais do que máquinas, que os anarquistas da Corte pudessem mover para seus fins como quiserem; (...) a Sociedade dos Defensores da Liberdade e Independência Nacional, e todo o povo deste Distrito, está definitivamente resolvido a não apartar-se uma só linha da justiça e da equidade; a repelir não só dentro como fora da Província toda, qualquer agressão, qualquer facção que se intente fazer as Leis, (...) e esperar tranquilamente as reformas que nossos representantes em sua sabedoria fizerem à Constituição, e a marcharmos sobre a Capital logo que se perca a esperança de que os anarquistas entrem na esfera de seu dever.” (em transcrição livre). 

CONTEXTO – Para entender as reações registradas na Vila da Constituição, é preciso entender um pouco do contexto do governo de Dom Pedro I. 

Ao chegar no Rio de Janeiro, vindo de uma viagem a Minas Gerais, o imperador já era alvo de um crescente descontentamento populacional e viu os resultados desastrosos de seu reinado. Os seus partidários portugueses, que residiam no Rio de Janeiro, decidiram fazer uma festa com luminárias para receber a volta do Imperador, porém os brasileiros, descontentes, começaram a quebrar as janelas dos portugueses, que, em troca, atiraram garrafas contra os brasileiros, o que escalou o conflito conhecido como Noite das Garrafadas. 

Pressionado pelo tumulto da situação, Dom Pedro I decide então, no dia 7 de abril de 1831, pela abdicação do trono, em nome de seu filho Dom Pedro II. No bilhete de abdicação, disse ele: 

“Usando do direito que a Constituição me concede, declaro que hei mui voluntariamente, abdicado na pessoa do meu muito amado e prezado filho, o sr. D. Pedro de Alcântara. Boa Vista, sete de abril de mil oitocentos e trinta e um, décimo da Independência e do Império. Pedro.”

Porém, mesmo após a abdicação, os tumultos ainda sobreviveram por um período, e são os ecos deste episódio que está em um livro preservado no Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara Municipal de Piracicaba, onde podemos ver uma Câmara enfática e fervorosa na defesa dos cidadãos brasileiros contra os anarquistas da Corte, mostrando todo seu empenho e energia na intenção de manter os valores de liberdade e justiça.

A abdicação de Dom Pedro I já foi tema do “Achados do Arquivo”, mas, como a história é uma grande colcha de retalhos, na qual cada novo documento encontrado traz novas perspectivas sobre um mesmo assunto.

Como resultado de todo este tumultuoso período, no ano seguinte, dia 29 de novembro de 1832, foi promulgado pela Regência do Império o Código do Processo Criminal de Primeira Instância, numa tentativa de estabilizar o processo governamental, que tratava em si da organização judiciária e da parte processual complementar ao Código Criminal de 1830, alterando inteiramente as formas do procedimento penal então vigentes, herdadas da codificação portuguesa. O Código do Processo também deu maior autonomia aos proprietários rurais das províncias, que passaram a poder escolher seus representantes políticos.

O Código do Processo Criminal de Primeira Instância foi citado também no “Achados do Arquivo” de 24 de fevereiro de 2023, o qual tem uma correlação com a criação do cargo de “Prefeito”.

ACHADOS DO ARQUIVO – A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de parte do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Casa de Leis.

Achados do Arquivo Documentação

Texto:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Supervisão:  Rebeca Paroli Makhoul - MTB 25.992


Anexos:
ofícios - 1831.pdf


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