Achados: por quem os sinos dobram? ou... os sinos devem dobrar?
Premiação buscava voluntários para lutar na Guerra do Paraguai
Documento preservado na Câmara mostra que, no auge do conflito, Partido Conservador pediu apoio para a proposta
Reprodução de imagem de vídeo produzido pelo Senado Federal
Maior conflito armado da América Latina, a Guerra do Paraguai teve repercussão não apenas no front de batalha, mas até em regiões longínquas do então período imperial brasileira, como na então Vila Constituição. Sob a guarda do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara, foi localizado ofício endereçado à edilidade pelo Partido Conservador Piracicabano, onde se demonstra como a preocupação com as batalhas impactou a classe governante da época.
Nele se lê:
“Ilustríssimos Senhores nas atuais circunstancias do País, e em vista do que vai-se dando nesta Província na aquisição de pessoal para aumento do nosso exército nas margens do Paraguai e do Paraná, os abaixo assignados membros do Partido Conservador nesta Cidade, não só com o fim de auxiliar o Governo naquela tarefa, como de aliviar a população dos vexames que sofre, oferecem o premio de 400#000 Réis a cada um dos primeiros vinte e cinco voluntários, que se apresentarem a qualquer das autoridades deste Município e efetivamente partirem para o exercito.” (em transcrição livre)
No documento, assinado por Fernando Paz de Barros, Estevão Ribeiro de Rezende (Barão de Rezende), Francisco José da Conceição, Antônio da Costa Pinto Silva e José Bento de Matos, o diretório solicita também auxílio da Câmara, tanto com outras premiações, quanto para dar publicidade a tal oferta.
A data do ofício também é bem significativa, dia 23 de dezembro de 1866, apenas meses após uma das maiores derrotas sofrida pela chamada Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai), a Batalha de Curupaiti.
“A proposta do Partido Conservador Piracicabano de premiar as pessoas que se alistarem ao exército ilustra as proporções do conflito e a demanda de força humana. Já haviam se passado dois anos do início da guerra, não havia mais a intensa motivação de voluntários e o exército ia perdendo sua força”, avalia Giovanna Calabria, chefe do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara, responsável pela pesquisa.
A resposta da Câmara, enviada 3 de janeiro de 1867, espelha outra realidade do período: o uso de escravizados “libertos” na Guerra do Paraguai.
No documento se lê:
“Esta Câmara reconhece como Vossos Senhores a conveniência de unirem-se os esforços de todos para aumentar o pessoal do exército, mas sente dizer que tão bem reconhece atualmente na população uma repugnância tal de marchar para a guerra que não julga a soma dos três prêmios suficientes para fazerem aparecerem voluntários, e por isso por sua vez deve lembrar a Vossos Senhores a conveniência de modificar-se um pouco a aplicação dos prêmios, que em vez de serem aplicados ao engajamento de voluntários o sejam a compra de escravos que libertados assentem praça e marchem para o exército e assim conseguir-se-á não só o fim desejado, como o humanitário e social de restituir-se a si sete ou oito indivíduos que para tanto chegam as quantias oferecidas”. (em transcrição livre)
Em 6 de novembro de 1866, pouco tempo antes desta troca de ofícios entre a Câmara e o Diretório, foi promulgado pelo Império do Brasil, de maneira emergencial, o Decreto 3.725, que concedia liberdade gratuita aos escravos da Nação designados para o serviço do exército.
“Não é possível discorrer aqui os motivos, complexos, diversos e discutíveis, que levaram a guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança, um conflito que durou de 1864 a 1870 e acumulou consequências a todos os envolvidos, como o elevado número de mortos e a devastação da nação paraguaia, mas os documentos na Câmara podem demonstrar a realidade de uma conjuntura guerra em um país imerso no regime escravista”, conclui Giovanna.
ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de parte do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo. Ela foi criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, e conta com publicações semanais no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Câmara Municipal de Piracicaba.
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